Entrevista a Cristina Marreiros, presidente da Direcção da Associação de Guias-Intérpretes do Algarve - Dia Internacional da Mulher
Presidente da Direção da recém-criada Associação de Guias-Intérpretes do Algarve, Cristina Marreiros, de 52 anos, não vai comemorar de forma especial o Dia Internacional da Mulher e diz, nesta entrevista ao «Correio de Lagos», que “muitas mulheres têm dado quase mau nome” a esta data. Lembra quando começou a trabalhar, mas não se recorda qual foi o seu vencimento, nem o que fez com o dinheiro. Recorda conselhos dados aos filhos e lamenta que muita gente esteja a gastar mais do que aquilo que ganha. Já em relação ao tema da actualidade, o ‘coronavírus”, com o turismo a ressentir-se e os hotéis a terem cancelamento de reservas, Cristina Marreiros, apesar de ser ateia, como nos confessa, deixa um apelo divino: “Só peço à Nossa Senhora de Fátima que não deixe o ‘coronavírus’ passar de Lisboa para baixo”.
Correio de Lagos - Como vai comemorar o Dia Internacional da Mulher?
Cristina Marreiros - Vou comemorar como todos os dias. Porque para mim, o Dia da Mulher é todos os dias. Sei que o dia 8 de Março assinala, tendo em conta o trabalho, a luta das mulheres pelos seus direitos numa época em que, pensamos nós, os nossos direitos eram mais difíceis de obter do que actualmente são. Mas, como digo, o Dia da Mulher é todos os dias. Portanto, não vou fazer nenhuma comemoração especial.
Correio de Lagos - Não devia haver um dia específico como o Dia da Mulher? Não concorda com a comemoração desta data?
Cristina Marreiros - Não. Da maneira como tem sido comemorado, infelizmente, nos últimos anos por muitas mulheres que têm dado quase mau nome ao dia, acho que não. Devíamos tentar comemorar, em sermos mulheres e lutar pelos nossos direitos todos os dias.
“Muitas mulheres aproveitam este dia para cometer alguns excessos”
Correio de Lagos - Há aproveitamento político na comemoração?
Cristina Marreiros - Não é bem um aproveitamento político. É, talvez, muitas mulheres que, porque não lutaram na altura certa pelos seus direitos, aproveitam este dia para cometer alguns excessos. Penso que isso, depois, é que vem, digamos assim, dar um bocado de mau nome a esse dia.
Correio de Lagos - Ser mulher é factor de discriminação no trabalho?
Cristina Marreiros - Na minha profissão de guia-intérprete, não existe discriminação. É uma actividade essencialmente de mulheres.
Correio de Lagos - E em geral?
Cristina Marreiros - Infelizmente, penso que sim. Há algumas profissões em que há discriminação e também ao nível de vencimentos. Em alguns privados também existe essa situação.
“Os jovens têm de ser educados para não serem violentos. O problema começa na família.”
Correio de Lagos - Que justificações encontra para a violência no namoro e como será possível resolver um problema desta natureza?
Cristina Marreiros - Não consigo encontrar respostas. Acho que a violência não tem justificação. É muito esquisito. Se soubesse que a minha filha estava numa situação abusiva, seria a primeira pessoa a dizer-lhe «sai daí». Se souber que o meu filho é abusivo para alguém, tomaria logo medidas. Aliás, nem lhes vejo fazerem isso porque não fez parte da educação que receberam, nem daquilo que em casa sempre fomos.
Os jovens têm de ser educados para não serem violentos. O problema começa na família. Hoje em dia, já se denuncia cada vez mais os problemas da violência doméstica. Lembro-me perfeitamente, quando era miúda, às vezes comentar que fulano tal deu uma chapada, porrada, na mulher e ouvia-se «entre marido e mulher não metas a colher.» E às vezes a nossa mentalidade continua um pouco assim. A situação cada vez mais vai-se modificando, mas não consigo entender como é que há mulheres que dizem que estão anos a fio com homens que as tão maltrata.
Correio de Lagos - Como acha que é possível travar a violência doméstica, a nível familiar?
Cristina Marreiros - Tem de se partir da própria família e logo de início. A gente fala muito que a escola tem de fazer isto e aquilo, tem de educar. Mas a escola não tem de educar. A família é que tem de educar. A escola, depois, pode ajudar a passar esses valores. Mas tudo começa em casa. E se em casa não se conseguiu fazer passar essa mensagem, então é tudo muito complicado. A própria sociedade é que tem de trabalhar nesse sentido.
“Nos últimos anos, um dos problemas que a nossa sociedade trouxe é que muitos pais se desresponsabilizaram de ser pais”
Correio de Lagos - E quanto a agressões a professores e auxiliares, como analisa esta situação?
Cristina Marreiros - Fui presidente da Direção da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária Gil Eanes e também da Escola Secundária Júlio Dantas, em Lagos, e de vez em quando aconteciam coisas e sempre me custou imenso. Independentemente de o aluno gostar, ou não, do professor, o professor é sempre o professor dentro da sala de aula e na escola. E o aluno só tem de respeitar. A partir do momento em que um pai ou um encarregado de educação faz passar ao filho ou à filha que pode abusar do professor, faltando-lhe ao respeito, a família não está a educar. Tem de se chamar os pais à escola para eles serem mais ativos na educação dos seus filhos. Penso que, nos últimos anos, um dos problemas que a nossa sociedade trouxe é que muitos pais se desresponsabilizaram de ser pais. A mentalidade é esta: «vamos ter os filhos, depois pomo-los no jardim infantil, depois eles vão para a escola, alguém há-de educá-los e a gente vai à nossa vida». Não é isso que é ser pai ou mãe.
“O meu primeiro salário foi durante umas férias de Verão numa loja de artigos para criança”
Correio de Lagos - Quando é que começou a trabalhar, qual foi o valor e o que fez ao seu primeiro salário?
Cristina Marreiros - Já não me lembro (o valor). O meu primeiro salário foi durante umas férias de Verão, penso eu, no meu 11º. para o 12º. Ano, numa loja de artigos para criança num Centro Comercial da Praia da Luz, no concelho de Lagos. Já não me lembro o que fiz... (ao dinheiro). Provavelmente, terei comprado algumas coisinhas para mim, daquelas coisas que a malta jovem gostava sempre de comprar, uma peça de roupa, uma coisa assim. Foi nas férias escolares. Devia ter sido aí,
“Nos últimos anos, as pessoas começaram a gastar demais, por vezes demais do que aquilo que ganham”
Correio de Lagos - Os portugueses poupam, ou preferem gastar o dinheiro em tudo o que veem?
Cristina Marreiros - Acho que, nos últimos anos, as pessoas começaram a gastar demais, por vezes demais do que aquilo que ganham, não pensando no que vem amanhã. O período da ‘troika’ (em resultado da crise que assolou Portugal por volta de 2010 - n. d. r.) foi uma situação má para quem teve o azar de perder o emprego. Mas, curiosamente, nos tempos da ‘troika’, vimos que, por exemplo, espectáculos musicais e outros eventos do género vendiam-se em minutos. Quando uns estavam com muitas dificuldades, outros nem tanto. E muitas vezes, as pessoas nestas alturas esquecem-se que podem voltar a vir as dificuldades.
“Os jovens têm muita tendência de gastar dinheiro, vão mais atrás da publicidade”
Correio de Lagos - Quem gasta mais dinheiro ?
Cristina Marreiros - Os jovens têm muita tendência de gastar, vão mais atrás da publicidade. Mas muitas vezes as publicidades agressivas que são feitas também fazem com que pessoas um pouco mais velhas, numa faixa etária talvez entre os 30 e os 40 anos, acabem por gastar, caindo muito no crédito. Depois, surgem todos os outros problemas para as famílias no geral.
Correio de Lagos - Não se pensa muito em poupar hoje para ter amanhã?
Cristina Marreiros - Nos primeiros anos de vida, não. Talvez a partir aí dos 35 para os 40 anos é quando se começa a pensar nessa situação, mas se calhar já é tarde.
Correio de Lagos - E que conselhos dá aos seus filhos a esse nível?
Cristina Marreiros - Costumo dizer-lhes sempre que eles têm de pensar que não podem gastar o que não têm. Têm de pensar em poupar um pouco porque o dia de amanhã pode ser mais complicado. E, sobretudo, aconselho-os a trabalharem e a pensar no futuro deles. Quando dou estes conselhos, digo-lhes muitas vezes que não é por mim, porque eu já estudei e já comecei a trabalhar, e eles estão agora nessa fase. E ao dar-lhes estes conselhos, digo-lhes que é também para melhorarem a vida deles.
Correio de Lagos - Quando diz que não se deve gastar mais do que aquilo que se tem, foi esse o conselho que recebeu dos seus pais?
Cristina Marreiros - Também. Os meus pais são daquela altura em que a gente fazia o ‘pé-de-meia’ e depois é que comprava as coisas (risos).
Correio de Lagos - Os seus filhos acolhem a sua mensagem?
Cristina Marreiros - Acolhem. Posso dizer, por exemplo, que houve uma altura em que o meu filho andava desesperado para comprar uma ‘playstation 4’. E eu disse-lhe: «pelos valores da ‘playstation 4’, a mãe não te vai oferecer assim de meia beijada. Tens de poupar.» Como ele não trabalhava, foi poupando dinheiro das mesadas, dos ‘dinheirinhos’ que os avós lhe davam, até que conseguiu chegar ao valor da ‘playstarion 4’ e comprou-a numa promoção, que lhe custou mais de trezentos euros. Depois, esteve a trabalhar numa loja, ganhou alguma coisa e ficou muito satisfeito. Começou a dar outro valor ao dinheiro.
“A gente só se encontrar no ‘Facebook’ acaba por não ter piada. O melhor é o contacto pessoal”
Correio de Lagos - Internet, telemóveis e redes sociais - que aspectos positivos e negativos destaca?
Cristina Marreiros - Os aspectos positivos têm a ver com o facto de conseguirmos ter as coisas de forma mais rápida e de comunicarmos com quem está longe. Já em relação aos aspectos mais negativos, destaco o facto de acabarmos por estar mais isolados, mais sozinhos, perder o contacto pessoal um com o outro. E isso continua a ser muito importante. Muitas vezes, nas famílias estão quatro pessoas sentadas à mesa e cada uma com o seu telemóvel, quando se devia aproveitar essa altura para falar um pouco pessoalmente e para conviver. E eu sou uma pessoa da palavra, gosto de juntar as pessoas para estarmos a falar, a conviver. É certo que fui encontrar amigos, pessoas que não via há muitos anos, através do ‘Facebook’. É engraçado esse encontro. Mas, depois, a gente só se encontrar no ‘Facebook’ acaba por não ter piada. O melhor é o contacto pessoal e para mim é muito importante.
“O empolamento do ‘coronoravírus’ está a provocar medo nas sociedades”
Correio de Lagos - Como encara a nova pandemia mundial ‘coronavírus’ (Covid-19)?
Cristina Marreiros - Penso que o ‘coronavírus’ está muito influenciado pela comunicação social. É, sem sombra de dúvida, uma doença que nos deve trazer algumas preocupações, mas no fundo é mais uma gripe. E, se calhar, se formos analisar bem a mortalidade existente a nível mundial, comparando com a gripe A ou com outras gripes, é mais ou menos a mesma coisa. Todo o empolamento que tem vindo a ser feito nos vários países, através da comunicação social, tem vindo a fazer com que exista algum medo em várias sociedades, o que depois também se vai repercutir no nosso dia-a-dia, independentemente de termos mais ou menos casos positivos.
“Nós, guias-intérpretes, estamos a ter serviços cancelados”
Correio de Lagos - Que repercussões terá no Algarve?
Cristina Marreiros - Há já muitos cancelamentos nas reservas dos hotéis. Nós, próprios guias-intérpretes, estamos a ter serviços cancelados. No meu caso, tive essa situação com dois grupos de alemães e um grupo de italianos. Uma colega que estava comigo teve cinco grupos de alemães cancelados. É um problema que está a atingir todo o Algarve. Está toda a gente na expectativa de que dentro de um mês ou dois, as coisas comecem a estabilizar. O facto de ter sido cancelada a ITB Berlim, maior Feira de Turismo do mundo, vai também trazer repercussões para o próximo ano, porque grande parte dos negócios era feita agora. A própria BTL - Bolsa de Turismo de Lisboa, tem também importância a nível do nosso país, ao ser adiada para Maio, vai fazer com haja, talvez, menos parceiros a nível económico e já não se consiga trazer o mesmo volume de negócios que trazia em Março, altura em que se devia realizar.
Turismo no Algarve em risco durante a Páscoa
Correio de Lagos - E o que poderá acontecer ao turismo no Algarve na Páscoa?
Cristina Marreiros - Pode, eventualmente, ficar comprometido. Depende da evolução em Espanha e da nossa, em Portugal. A partir do momento em que foram confirmados casos de coronavírus, surge o efeito dominó. É certo que a maior parte das situações noutros países atingiu pessoas já com uma idade mais avançada e com outros problemas de saúde. Não é propriamente este novo vírus em si que é o grande causador. Por outro lado, depende também da capacidade de resposta que soubermos dar. O nosso Serviço Nacional de Saúde tem de se mostrar capaz. Só peço à Nossa Senhora de Fátima que não deixe o ‘coronavírus’ passar de Lisboa para baixo.
“Pandemia pode provocar desemprego se continuar por muito tempo”
Correio de Lagos - Esta pandemia pode provocar desemprego?
Cristina Marreiros - Pode provocar desemprego se continuar por muito tempo e os hotéis começarem a ter muitos cancelamentos de reservas. Nessa altura, haverá necessidade de ter menos pessoal. O mesmo poderá acontecer nos restaurantes e noutros estabelecimentos. Na Tailândia, por exemplo, neste momento cerca oitenta por cento dos guias de turismo estão a ficar desempregados, porque os cancelamentos naquele país são astronómicos. Receio esta situação na minha actividade.
“As pessoas não estão sensibilizadas para os perigos reais”
Correio de Lagos - As pessoas estão preparadas em termos de prevenção para o ‘coronavírus’, a mensagem das autoridades de saúde está a ser assimilada, ou preferem deixar a situação evoluir e depois logo se vê?
Cristina Marreiros - Acho que as pessoas estão um bocado amedrontadas. Não estão sensibilizadas para os perigos reais. Estamos a extrapolar o problema e isso é o que provoca o pânico. Neste momento, temos alguns operadores turísticos a começarem a dar as primeiras indicações sobre a forma como nos devemos comportar com os clientes, aquilo que se espera que façamos em termos, também, de reações. Isto ao nível dos hoteleiros, dos guias, dos motoristas e outros trabalhadores. Mas ainda não recebemos informação nesse sentido.
“Se calhar, teremos de ter mais contenção nos beijinhos e nos abracinhos, sobretudo com pessoas que não conhecemos, com culturas diferentes
Correio de Lagos - Vai usar máscara?
Cristina Marreiros - É muito complicado andar com uma máscara. Motivo: quando falamos, o som perde-se. Por outro lado, ao usar uma máscara estou logo a dar a mensagem de insegurança, estou a gerar mais pânico. Agora, se calhar, teremos de ter mais contenção nos beijinhos e nos abracinhos, sobretudo com pessoas que não conhecemos, com culturas diferentes. Temos muito o hábito, desde a gripe A, de lavar as mãos com desinfetantes, mas há outras culturas que não têm. E com essa gente, temos de ter mais cuidado. Na minha profissão, estou exposta a essa situação, mas por enquanto não me sinto receosa. Tenho o cuidado de lavar as mãos, de andar sempre com desinfetante e tentar precaver-me.
A favor da eutanásia e do aborto
Correio de Lagos - É contra ou favor da eutanásia?
Cristina Marreiros - Sou a favor da eutanásia, como sou a favor do aborto. O facto de ser legal não quer dizer que tenha de fazer. Não. Tem de haver regras, temos de estudar as situações, mas cada caso é um caso. Há pessoas que estão a passar por situações extremas, das quais não existe esperança médica, nem nenhuma esperança de melhorarem e voltar a ter uma qualidade de vida. E quem sou eu para impor ao outro estar a passar por um sofrimento atroz? É isto em que tem de se pensar. Isso também é ser humano.
Correio de Lagos - Deve haver referendo?
Cristina Marreiros - (hesitante) Não sei… Os referendos dependem da maneira como são feitos, porque são questões políticas. Muitas vezes quando são feitos, as perguntas estão canalizadas para dar a resposta que os políticos querem e não a resposta que as pessoas querem dar.
É benfiquista, reside em Bensafrim, domina sete idiomas e destaca a “teimosia” como a sua principal virtude e também o maior defeito
Nome completo: Cristina Luísa Dias Marreiros
Data do nascimento: 20/08/1968. Tem 52 anos.
Signo: Leão
Naturalidade: Vila do Bispo
Residência: Bensafrim, no concelho de Lagos
Habilitações literárias: 12º. ano, complementado com um curso de guia intérprete
Estado civil: casada
Filhos: dois. Tem uma filha com 22 anos, a concluir um mestrado em engenharia informática, e um filho com 18 anos, que começou a seguir esse curso.
Profissão: guia intérprete. Além de Português, fala alemão, inglês, francês, italiano, espanhol e tem conhecimentos básicos de árabe. Aprendeu vários idiomas na escola e seguiu mais tarde vários cursos de línguas.
Clube desportivo: Benfica
Religião: É ateia
Filiação partidária: Não tem. Mas faz parte do Movimento de independentes ‘Lagos Com Futuro’ a nível local e é deputada na Assembleia Municipal.
Gastronomia: Peixe, “uma boa cataplana”, entre outros pratos
Onde costuma passar férias?: “Ando muito cá. As últimas férias a sério foram há quatro anos em Berlim.”
Figura nacional que destaca: “Gosto muito do nosso Infante D. Henrique. É uma personagem muito importante, muito ligada a Lagos, ao Algarve. Ajudou a espalhar Portugal pelo mundo.”
Figura que destaca a nível mundial: “O antigo Presidente dos Estados Unidos da América, John Kennedy. Foi um líder interessante e faz-me lembrar, de certa forma, Sá Carneiro. Morreram um pouco antes do tempo. E hoje ficamos a pensar o que seria do mundo e no nosso caso, Portugal, se eles tivessem vivido mais anos.”
Principal virtude e o maior defeito: “Teimosia nos dois lados. Vou à procura das coisas que acho que valem a pena. E quando meto uma ideia na cabeça, muitas vezes é para levar para a frente.”
Entrevista de Carlos Conceição e José Manuel Oliveira