Esta é uma reportagem que estava agendada para ser publicada na edição imprensa de 19 de Abril, mas por imprevistos de última hora, foi decidido aproveitar o valioso conteúdo e trazer à estampa, através do nosso diário correiodelagos.com, que percorre o mundo e divulga o que de melhor acontece na região algarvia, com destaque para as Terras do Infante.
Há 2500 anos já se produzia vinho no Algarve. Quando os romanos conquistaram a Península Ibérica a produção não só continuou, como se desenvolveu, chegando a outras zonas do Império. Até mesmo no período Islâmico teve a sua importância. Embora o Islão proíba a ingestão de bebidas alcoólicas, existem tratados dessa altura que mencionam o consumo moderado de vinho e as suas propriedades. E a produção continuou através dos tempos. No século XIX, com a filoxera a matar a produção a norte, é ao Sul, ao Algarve, que se vem buscar vinho par fazer as misturas do Vinho do Porto. Por cá essa doença não atacou as videiras pela elevada quantidade de solos arenosos, onde esta não prolifera. Torna-se conhecido o Vinho da Fuzeta, por ser este o porto de saída, à semelhança do Vinho do Porto, assim chamado por causa do porto onde era transacionado. No século XX dá-se a divisão da região em 4 zonas de produção vinícola, sendo o vinho produzido nas respectivas adegas cooperativas – Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira. Até aos anos 80 o vinho é um dos principais produtos da agricultura algarvia. Mas a partir daqui dá-se uma grande mudança. O desenvolvimento do Turismo de massas, a construção desenfreada de alojamentos turísticos rouba terrenos e mão de obra à agricultura. A produção decai em quantidade e em qualidade. O vinho do Algarve é visto como um produto de fracos atributos, que nem os algarvios consomem.
Mas os tempos são de mudança. A entrada neste novo milénio fez reaparecer o interesse em produtos genuínos, que possam criar diferenciação no que o Algarve tem para oferecer. E o vinho mostra as suas potencialidades. Não tendo grandes áreas dedicadas à produção vinícola, são as características muito próprias que diferenciam estes vinhos, que embora venham conquistando os mercados ainda têm muitos caminhos a percorrer, começando pelos próprios algarvios que, desabituados a terem vinhos diferenciados ainda não se renderam aos novos produtos.
Em toda a região produzem-se vinhos IG, ou seja, de Indicação Geográfica, mas também DO, com denominação de Origem, continuando a existir as antigas 4 áreas de produção – Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira, embora agora só exista uma adega, chamada adequadamente de Única e proliferem os produtores individuais. Estas diferentes denominações estão relacionadas com as zonas de produção e as castas usadas, tendo que respeitar percentagens de encepamento. A Comissão Vitivinícola do Algarve – CVA, é um organismo que tem trabalhado na certificação dos vinhos da região, anteriormente ligada às cooperativas, mas nos últimos anos tem assumido um papel de destaque na qualificação, certificação e promoção. E é justamente a CVA, assumindo o seu papel de principal promotor dos vinhos algarvios, que lançou uma nova estratégia de atracção de público para um sector em franco desenvolvimento. o Enoturismo. Dos cerca de 50 produtores vinícolas algarvios, metade tem condições para receber turistas em visitas aos seus espaços, naturalmente com uma degustação dos respectivos produtos. A Rota dos Vinhos do Algarve ou Algarve Wine Tourism foi apresentada no dia 23 de Março, num programa que nos levou a conhecer alguns dos produtores e produtos, com destaque muito especial para uma casta autóctone, a Negra Mole, que assume o papel de estrela nesta ressurreição dos vinhos do Algarve. Apesar de ainda existirem algumas resistências, a grande maioria dos produtores rendeu-se a esta casta para produzir vinhos com um caracter muito específico e fazer deles a bandeira desta região. Terão passados uma vintena de anos desde que a Quinta João Clara e a do Cabrita começaram a testar esta velha casta, em risco de desaparecer. E quando os primeiros vinhos chegaram os resultados foram tão surpreendentes que outros seguiram esta tendência e hoje a Negra Mole é, indiscutivelmente, a casta do Algarve.
Mas voltando à apresentação da nova Rota dos Vinhos, onde estiveram presentes cerca de 60 parceiros, entre eles representantes do Turismo do Algarve, da CCDR e da AHETA primeiro foi-nos apresentada a região, as diferentes nuances, o terroir, as possibilidades e o logo que identifica este projecto. E porque nestas coisas a prova é o teste real, seguimos para a Quinta da Tôr, nos arredores de Loulé, em pleno Barrocal, para visita da adega e saborear um almoço regado com os vinhos que esta quinta produz e outros que começa a produzir numa zona muito diferente, mais próxima do mar, com um carater distinto, pois a proximidade do mar altera as condições de produção. Seguimos depois para uma outra Quinta, a do Canhoto, na zona de Albufeira, onde também a influência marítima condiciona as caraterísticas organoléticas do vinho. Aqui procedeu-se a outra visita dos espaços, a uma prova dos vinhos próprios e ainda a uma prova comentada de 5 vinhos de diferentes quintas, tendo todos em comum o facto de serem feitos a partir da tal casta, a Negra Mole.
Para Sara Silva, a presidente da Direcção da CVA esta rota é um complemento da oferta do Algarve, numa altura em que os vinhos da região começam também atrair grandes casas produtoras a nível nacional, como a Casa Santos Lima, a Aveleda, a Sogrape e até Quinta da Pacheca, o que leva a novos investimentos, ainda que existam regras nacionais e europeus a cumprir. Dos actuais produtores há a realçar que cerca de 40% deles são estrangeiros, sobretudo europeus. O vinho algarvio é maioritariamente tinto, cerca de 60%, os brancos representam 30%, cerca de 7% são rosés e os restantes 3% são espumantes, uma nova aposta. A valorização da Negra Mole é a aposta de 20 produtores, que em monocasta, produzem tintos, claretes, palhetes, brancos, rosés e espumante. Também há uma tendência para produzir em talhas e alguns licorosos. E naturalmente, a certificação biológica. Neste momento, quem melhor produz nesta área é o Monte da Casteleja, que também tem uma pesquisa interessante de castas antigas e pouco usadas, testando as suas possibilidades.
Neste encontro não esteve presente nenhum produtor de Lagos ou das Terras do Infante, mas esteve presente Aura Fraga, da Associação Vicentina, que nossa últimos 2 anos tem desenvolvido projectos na área dos vinhos, no âmbito do Algarve 2020, sendo parceira da CVA, que aliás, neste momento também faz parte dos Órgãos Sociais da Vicentina. Mas Lagos este representado por Rui Silva, o Director de Divisão do Empreendedorismo e Turismo da Câmara Municipal de Lagos, o que mostra o interesse do município neste sector, preparando-se, em conjunto com os produtores locais para desenvolver iniciativas várias. Existem 8 produtores certificados em Lagos, dos quais metade irá integrar a Rota nesta primeira fase, esperando-se que os outros o façam brevemente.
Quando se diz que nenhum produtor de Lagos este representado não é exactamente verdade. Fomos recebidos para visita e almoço na Quinta da Tôr, pertença do Engº Mário Santos, que, entretanto, também adquiriu a Quinta dos Matos Brancos, onde pretende replicar o bem-sucedido projecto de Loulé. Esta quinta, anteriormente pertença de Sousa Cintra, tem 45 hectares e produz especialmente vinhos brancos. O projecto inclui a reconstrução da adega, a criação de espaço de enoturismo com alojamento e restauração, prevendo a criação de 10 a 12 postos de trabalho a tempo inteiro. Os vinhos serão produzidos com marca própria – Matos Brancos, mantendo a sua independência da irmã do Barrocal algarvio. Neste momento a marca própria existe, assim como o logotipo identificativo.
A prova comentada de cinco vinhos – um espumante, em rosé, um branco e dois tintos, todos elaborados a partir da casta Negra Mole foi conduzida por Miguel Martins, sommelier residente em Lagos, mas a trabalhar numa unidade hoteleira de luxo em albufeira, que salientou a versatilidade da casta, cujos cachos de uva mostram uvas com diversas tonalidades e diferentes graus de acidez, permitindo ter vinhos com características comparáveis aos Pinot Noir, mas com grande compatibilidade com a gastronomia regional.
Uma nota final. Num sector normalmente dominado por homens, são cada vez mais as mulheres a aparecer, quer à frente das Quintas, como proprietárias, quer a assessorar os negócios, quase todos de cariz familiar, onde muitas filhas vão tomando as rédeas e trazendo alguma equidade a um mundo anteriormente tão masculino.
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Cristina Marreiros