Prémio de Arquitetura Maria José Estanco já é considerado “um marco”

Paula del Rio Huesa é a primeira laureada com requalificação em Piódão
Foi entregue pela primeira vez, no dia 26, mas a expressiva participação na edição inaugural faz antever que o Prémio de Arquitetura Maria José Estanco, promovido pelo Município de Loulé, em parceria com a Ordem dos Arquitetos, venha a ser uma referência. Para os/as profissionais do setor, presentes na cerimónia de entrega, que aconteceu no Salão Nobre dos Paços do Concelho, é já “um marco” pelos valores que promove: igualdade de género, sustentabilidade sociocultural e ambiental e coesão territorial.
A obra da Praça e Posto de Turismo de Piódão valeu a Paula del Rio Huesa, do gabinete de Arquitetura Branco del Rio Arquitectos, com sede em Coimbra, a distinção na primeira edição deste galardão que premeia arquitetas e homenageia aquela que foi a primeira mulher portuguesa inscrita no Sindicato Nacional dos Arquitetos (os “primórdios” da Ordem) e a exercer a profissão, a louletana Maria José Estanco.
Foram 15 as candidaturas apresentadas por arquitetas autoras, em coautoria ou coordenadoras de equipa, num universo de 1159 membros ativos da Ordem dos Arquitetos, um número que ainda não chega a 50% de mulheres. Apresentaram trabalhos de encomenda pública e privada, de diversas tipologias, e cobriram grande parte do território nacional.
Teresa Nunes da Ponte, presidente de júri composto também por Sofia Pontes e Ana Bordalo, destacou “a qualidade arquitetónica da maior parte dos projetos, bem integrados na malha urbana e no espaço rural, mostrando grande respeito pelos valores sociais e ambientais”. Já o projeto vencedor, aprovado por unanimidade, constitui “um trabalho de grande sensibilidade e respeito pelo sítio”, disse este elemento do júri, notando que o mesmo “contribuirá significativamente para o bem-estar da população e dos visitantes”.
Tratou-se de uma intervenção no Largo de Piódão, aldeia histórica do concelho de Arganil, de ruas estreitas e íngremes situada numa encosta, orientada a Sul e Poente, na Serra do Açor. Um espaço “aberto, horizontal e desafogado”, mas que ao longo de anos foi utilizado como estacionamento de carros. O posto de turismo, por seu turno, constituía um edifício “cheio de acrescentos e de patologias”.
Como explicou a autora, o principal objetivo do projeto foi devolver o carácter de porta de entrada na aldeia, pedonal e desimpedido. Procurou-se conformar o espaço para definir uma praça, introduzindo um pavimento para “criar unidade sem hierarquia”, como explicou a arquiteta premiada.
Para a arquiteta, este projeto “foi um caso difícil e delicado porque se trata de um lugar com um altíssimo poder identitário”.
Quanto ao prémio que recebeu, Paula del Rio salientou a importância para o reconhecimento do papel das mulheres na arquitetura. “É assim, mostrando que as mulheres estão presentes em todos os âmbitos da profissão, que caminhamos para a igualdade de oportunidades e de reconhecimento que ambicionamos”, afirmou.
Uma ideia partilhada por Teresa Nunes da Ponte, que notou que essa valorização é mais do que justa até porque “as arquitetas têm tido um papel muito na sombra e muito pouco reconhecido pela sociedade”.
Se há umas décadas atrás o provérbio “do homem a praça, da mulher a casa” era bem o espelho da sociedade portuguesa, o mundo da arquitetura não era diferente. Exemplo disso foi o percurso de Maria José Estanco que foi “a primeira profissional a deparar-se com as dificuldades de exercer a profissão, tendo-se de adaptar ao compromisso sociocultural inerente”, como lembrou Sofia Aleixo, coordenadora deste Prémio.
A louletana encontrou no ensino o seu sustento, até porque “foi-lhe vedada a participação do trabalho em ateliers, embora dissesse que durante todo o curso teve vários colegas arquitetos e nunca sentiu esse problema”, recordou Sofia Aleixo, que trouxe à memória alguns dados sobre a vida e o trabalho de Maria José Estanco.
Apesar de ter havido uma evolução desde a época de Maria José Estanco no que toca ao papel das mulheres na arquitetura, o presidente da Ordem dos Arquitetos, Avelino Oliveira, reconheceu que “ainda não estamos numa situação plena de igualdade de género”. Se nas escolas de arquitetura a maioria das estudantes são mulheres e hoje já não há dificuldade em entrar nos ateliers, a verdade é que “temos uma dívida histórica com as mulheres arquitetas de Portugal que não tiveram uma vida fácil”.
O responsável da Ordem salientou a “generosidade” com que o Município instituiu esta iniciativa porque “este não é um prémio feito para Loulé, mas sim um prémio nacional”. “Ao premiar uma arquiteta sedeada em Coimbra e uma obra sedeada em Arganil é uma maior demonstração de coesão do território e desta visão que o Algarve tem de promoção da arquitetura. Há uma longa história da arquitetura, dos arquitetos e das arquitetas do Algarve que tanto nos orgulha”, lembrou.
“Não tenho a menor dúvida que a instituição deste prémio, com o nome que tem, ficará bem registado na história do nosso Município”, relevou o autarca de Loulé. Vítor Aleixo lembrou que, também o Prémio de Crónicas e Dispersos Literários, instituído em colaboração com a Associação Portuguesa de Escritores, tem crescido ao longo dos anos e é hoje uma referência nas Letras portuguesas.
Recorde-se que este galardão é um “renascimento”, agora associado ao nome de Maria José Estanco, a primeira arquiteta diplomada na Escola de Belas-Artes, do Prémio de Arquitetura e Urbanismo instituído há uns anos pelo Município de Loulé.