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Lagos e o Verão ameaçado

Lagos e o Verão ameaçado

Artigo da revista Nova Costa de Oiro em https://www.novacostadeoiro.com/

Os indicadores tornados públicos em finais de Junho pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), quanto ao desemprego pelas regiões nacionais, não poderiam ser mais preocupantes e merecedores de profunda reflexão: «A nível regional, no mês de Maio de 2020, o desemprego registado aumentou, por comparação ao mês anterior, na generalidade das regiões, com excepção para a região do Alentejo (-1,4%). Quanto aos aumentos homólogos, o mais pronunciado deu-se na região do Algarve (+202,4%). No oposto encontra-se a região dos Açores com -2,4%)».

Pormenoriza o INE que «No fim do mês de Maio de 2020, estavam registados, nos Serviços de Emprego do Continente e Regiões Autónomas, 408934 indivíduos desempregados, número que representa 75,1% de um total de 544351 pedidos de emprego».

Na edição de Maio último da Nova Costa de Oiro, na sequência da pandemia provocada pela COVID-19 que atingiu o Mundo, publicámos as análises e as opiniões de Nuno Rocha, lacobrigense, bancário, de Miguel Velhinho, lacobrigense, 54 anos, fundador e CEO do Projecto Manhattan, profissional de comunicação, de João Pedro Jacinto, lacobrigense, arquitecto, empresário / proprietário de um pequeno aldeamento turístico de apartamentos turísticos em Lagos, de Fábio Mateus, de 31 anos, pescador, de Jaime Maximiano, da área da restauração, de Rui Catarino, 55 anos, comerciante no ramo da ourivesaria (proprietário da Ourivesaria Coimbra) e do lacobrigense Nuno Marques, urbanista.

Todos os depoimentos recolhidos então, revelaram preocupação quanto ao futuro próximo, não só na cidade de Lagos, como na região algarvia e em todo o país. Houve unanimidade entre os entrevistados quanto às graves às consequências económicas que o nosso concelho iria enfrentar, em resultado da situação anormal provocada por uma doença, para a qual não se conhece ainda a profilaxia ou a cura.

Depois do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu (BCE) terem visado Portugal, os indicadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmam o pior cenário.

Segundo essa instituição, os «Países altamente dependentes de sectores como turismo, alojamento e viagens deverão sofrer impactos profundos na actividade e por um período prolongado de tempo». Acrescenta que «À medida que os países reabrem, a retoma da actividade é desigual.

Se actividades como comércio e retalho até estão a dar sinais de retoma relativamente sólida, tudo o que está relacionado com o turismo está mais debilitado. A actividade em sectores intensivos em mão-de-obra, como turismo e alojamento, deve permanecer moderada, e uma recuperação completa no mercado de trabalho pode demorar, piorando a desigualdade de rendimentos e aumentando a pobreza», esclarece o FMI.

O estudo indica ainda, que durante esta crise, que se iniciou em Março, «o mercado de trabalho foi severamente atingido e a um ritmo recorde, especialmente os trabalhadores com salários mais baixos e os semi-qualificados que não têm como opção o teletrabalho».

Por último, «tendo em conta a evolução da procura externa, os exportadores portugueses deverão perder quota nos mercados externos em 2020», que «reflecte essencialmente um efeito de composição, associado à especialização relativa de Portugal no sector do turismo.

A recuperação destas exportações deverá ser também mais lenta, ocorrendo de forma mais expressiva apenas em 2022».

Em finais de Junho, a cidade de Lagos encontrava-se como se pode ver nas imagens que ilustram estas páginas: quase deserta e com um «ruidoso» e incómodo silêncio. A azáfama de Verões anteriores deu lugar ao vazio das ruas e dos estabelecimentos comerciais.

As pessoas evitam-se e afastam-se umas das outras. As esplanadas estão vazias e os poucos restaurantes abertos ao público quase não têm clientela. As vozes, os risos, a música, deram lugar à quietude, a um estranho sossego, uma triste calma que magoa.

As empresas da chamada diversão nocturna, ou seja, os bares e as discotecas, estão encerradas desde Março. O Governo deixou-as de fora do plano de desconfinamento progressivo.

António Costa, Primeiro-Ministro, justificou esta medida com a impossibilidade de afastamento físico nas discotecas e nos bares. Pedro Vieira, que integra o grupo de trabalho que reúne empresários deste sector, de vários pontos do país, explicou à Agência LUSA que, juntamente com a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares (AHRESP), estão a ser trabalhadas soluções e sugestões para apresentar à Direcção-Geral de Saúde e ao Governo, de forma a permitir a reabertura destes espaços. Contudo, até ao fecho desta edição da Nova Costa de Oiro não era conhecida nenhuma proposta para este sector.

Escutámos Nuno Serafim, um dos sócios do estabelecimento «NOX» e Marco Monteiro, responsável pela gestão do Bon Vivant Cocktail-Bar, duas empresas que laboram na área da animação nocturna e que nos deram o seu testemunho quanto a esta área de actividade económica. «Queria salientar que fomos das primeiras actividades económicas a encerrar, a maior parte de nós, no concelho de Lagos, encerrámos mesmo antes da declaração do Estado [no dia 13 ou 14 de Março, NDR].

Tivemos uma reunião entre vários empresários da cidade de Lagos, em que decidimos, em conjunto, acelerar o processo para contribuirmos no sentido de estancarmos qualquer tipo de contágio ou de disseminação do contágio. Houve essa preocupação de muitos empresários do Centro Histórico de Lagos de fecharmos antes dessa obrigação legal».

Para Marco Monteiro, responsável pela gestão do Bon Vivant Cocktail Bar, «Estes momentos têm sido estranhos. Não estávamos habituados a vivê-los. Mesmo em termos de negócio é tudo novo. Há muitas perguntas e há poucas respostas, neste momento. Andamos numa ansiedade, que nos leva a pensar no futuro».

Como é que as empresas do sector da animação nocturna de Lagos estão a viver este momento? Responde Marco Monteiro: «O estado está a comparticipar através do regime de layoff. A maioria dos funcionários está em layoff, mas não sabemos até quando está situação vai-se prolongar.

Queremos todos trabalhar. Há uma ansiedade grande em começarmos a organizar as coisas para o futuro, já que são equipas grandes e há uma grande responsabilidade perante todos os funcionários.

Desde já, pede-se que o Estado e as pessoas de direito consigam acelerar [o processo de reabertura], pois torna-se muito difícil para este ramo aguentarmos este processo todo».

Nuno Serafim enfatiza que este sector é importante para toda a região algarvia:

«A actividade da diversão nocturna é importante na “imagem” do Algarve. E, neste momento, nós sentimos que houve um abandono total por parte das entidades responsáveis em relação à nossa actividade».

E porquê? «No nosso caso, como no caso do Marco, temos os nossos funcionários todos em layoff, porque estamos proibidos de trabalhar. Estamos em Junho e, como sabemos, o Algarve é uma zona onde a sazonalidade impera e não vemos como noutras actividades como são a restauração ou a hotelaria isto a arrancar, com um número de clientes muito reduzido e o prognóstico que fazemos para o futuro é muito reservado.

Desejamos que nos digam quais as condições em que podemos operar, mas o que prevemos é uma situação muito complicada, uma redução enorme da nossa actividade económica no concelho», que irá acarretar, na opinião deste empresário prejuízos e outras responsabilidades que não não consideradas pelo Governo e por outras autoridades públicas, «designadamente os arrendamentos e outras despesas inerentes à actividade. Só para terem uma noção, em Janeiro, antes de começarmos a trabalhar, já pagámos as licenças», no valor de dezenas de milhares de euros.

Quantas famílias estarão sem perspectiva de voltarem brevemente ao trabalho nesta área?

No caso do Bon Vivant, «são cerca de 10 funcionários, que abrange sempre um maior número de pessoas, derivado às responsabilidades financeiras. Depois, temos os indirectos, que faz part time ao fim-de-semana ou o Verão connosco, o que abrange mais umas 20 pessoas, possivelmente.

Muitas vezes, não temos respostas para lhes dar. Perguntam como será o futuro e o que se vai passar daqui para a frente. Tento, muitas vezes, dar uma resposta que os motive e, eu próprio, acabo por ser um motivador para mim mesmo.

Temos que pensar que as coisas vão melhorar, mas muitas vezes faltam palavras para continuar a motivá-los, para que vejam uma luz no fundo deste problema todo».

Não é fácil conhecer-se o número total das pessoas afectadas laboralmente pelo encerramento dos estabelecimentos de diversão nocturna, no concelho de Lagos, como explica Nuno Serafim: «Se pensarmos no universo de Lagos em termos do que é esta actividade, se enquadrarmos todos os estabelecimentos públicos e não públicos, os que estão nos hotéis e outros, estaremos a falar de mais de 1.000 trabalhadores, provavelmente os “directos”. E então, os “indirectos”?

Por exemplo, no nosso caso, temos uma série de outras famílias que estão indirectamente ligadas ao nosso estabelecimento, designadamente a segurança privada a que estamos obrigados, os trabalhadores sazonais, todos os nossos fornecedores, a nível das bebidas alcoólicas, como a nível dos produtos naturais que utilizamos.

Temos uma série de gente que não conseguimos contabilizar, mas que, obviamente, a não existência da nossa actividade económica vai de forma concreta afectar todos esses agregados familiares que estão directa e indirectamente relacionados com a nossa actividade económica.

Isso é um factor que, de alguma forma, destabiliza o que é nosso equilíbrio social local. No nossos casos, a maior parte das pessoas que trabalham connosco são locais, a maior parte dos nossos trabalhadores são pessoas de Lagos.

Isto faz com que os efeitos se sintam aqui. Dou um exemplo: o facto de não contratarmos um conjunto de empregados que costumam trabalhar connosco, ou não lhes renovarmos o contrato, ou não os contratarmos este ano, significa que esse funcionário não poderá pagar a renda da sua casa [a quem vive dessa actividade], num ciclo vicioso.

Obviamente, que o facto de a economia estar parada numa determinada área, a irá afectar num todo. Achamos que os efeitos são negativos tanto para a cidade como para a actividade, principalmente para esta».

Marco Monteiro antevê tempos ainda mais difíceis: «Sendo esta uma região muito sazonal, com o próximo Inverno, a preocupação das pessoas ainda se torna maior. Ou seja, se as coisas já não estão bem, como será o próximo Inverno?

A preocupação dos estabelecimentos, dos seus proprietários, também, que sentem um pouco na pele estas indecisões todas, este impasse todo, em relação ao Verão, em relação à abertura dos espaços omeçamos a pensar como vai ser o próximo ano. Certamente, não vai ser fácil. Quanto mais tempo esta situação durar pior as coisas ficam...».

Nuno Serafim diz esperar que este período em que os estabelecimentos de diversão nocturna estiveram encerrados possa ser aproveitado, de forma a que as autoridades competentes de Lagos revejam a forma como este sector de actividade tem sido encarado: «Digo isto no sentido positivo, no sentido construtivo. O sentimento que temos neste momento é que existe um alheamento por parte das autoridades públicas daquilo que é este sector da actividade económica. Por um lado, sentimos que existem uma série de fenómenos que não têm sido tratados da forma conveniente» e que passam pelo abuso da aquisição e consumo de bebidas alcoólicas em super-mercados, consumidas em espaços públicos.

Por outro lado, há alguns hostels que dentro dos seus estabelecimentos têm bares não licenciados e que concorrem de forma ilegal com os bares.

«A questão dos horários não está definitivamente esclarecida pela Câmara Municipal. Esta diz que o Regulamento está em vigor, mas que a Polícia de Segurança Pública diz que não se aplica e que faz com que haja uma disrupção dos horários dos estabelecimentos, havendo uns como nós que cumprem as normas todas e outros que não cumprindo os abrem a seu belo prazer. [...] Enquanto uns tentam qualificar os estabelecimentos [...], existem outros que estão abertos, aparentemente, sem qualquer respeito pelas regras que existem. Isto é mau para o nosso sector, porque em vez de estarmos a qualificar a nossa actividade económica, dando-lhe qualidade, ao fim ao cabo sendo um “cartão de visita” para o nosso concelho, temos o contrário. [...]

Espero que as autoridades olhem para nós de uma forma diferente. Nós queremos contribuir para termos uma cidade cada vez melhor», conclui Nuno Serafim.

São tempos particularmente difíceis, estes, para um concelho que vive essencialmente do turismo.

E desconhecendo-se o que o futuro próximo reserva, designadamente quanto à reabertura de fronteiras, teme-se que a época deste Verão esteja seriamente ameaçada...

O vídeo completo desta entrevista pode ser acedido nesta ligação:

https://youtu.be/wb-gnVAXsYI

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