Acções como a regularização das linhas de água, urbanização, agricultura ou descarga de águas residuais estão a afectar severamente os rios e ribeiros à escala global, conclui um estudo internacional no qual participou a Universidade de Coimbra (UC).
Neste estudo, publicado na revista científica Global Change Biology, foram avaliados, pela primeira vez, os efeitos de diferentes impactos humanos em várias funções dos rios e ribeiros (como capacidade de autodepuração, decomposição de matéria vegetal, produção de organismos aquáticos) à escala global com base em evidência científica publicada, visando compreender quais os impactos com efeitos mais fortes e quais as funções ecossistémicas mais sensíveis.
Coordenado por Mario Brauns, do Department of River Ecology do Helmholtz Centre for Environmental Research-UFZ, na Alemanha, o projecto reuniu 10 investigadores peritos nas várias funções ecossistémicas consideradas, entre eles Verónica Ferreira, do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).
Segundo a investigadora da FCTUC, a maior parte dos impactos humanos avaliados «tiveram efeitos negativos no funcionamento dos rios e ribeiros, como a redução na sua capacidade de autodepuração (na sua capacidade de consumir nutrientes), cadeias alimentares simplificadas e menos produtivas», salientando que a redução na capacidade de autodepuração de rios e ribeiros «é especialmente preocupante, já que altas concentrações de nutrientes na água são muitas vezes responsáveis por “blooms” de algas nocivos».
No entanto, esclarece «é importante considerar o contexto regional dos rios e ribeiros, pois há cenários onde os impactos humanos podem ser especialmente gravosos, por exemplo, os efeitos de efluentes de estações de tratamento de águas residuais na produção primária são mais fortes a latitudes mais baixas do que a latitudes mais elevadas (considerando o intervalo 35ºN – 53ºN). Também é necessário considerar várias funções ecossistémicas na avaliação do funcionamento de rios e ribeiros, já que um dado impacto humano pode ter efeitos em algumas funções, mas não em outras».
Os resultados do estudo mostram que os impactos humanos «afectam o funcionamento de rios e ribeiros tanto quanto afectam a biodiversidade. No entanto, a gestão destes ecossistemas não leva isso em conta, uma vez que a biomonitorização das linhas de água está centrada na avaliação de aspectos relacionados com a biodiversidade. É necessário incorporar a avaliação de funções ecossistémicas nos programas de biomonitorização para termos uma avaliação integrada da condição ecológica do ecossistema», frisa Verónica Ferreira.
Nesta meta-análise, a equipa avaliou a literatura que investiga os efeitos de stressores humanos nas funções ecológicas de rios e ribeiros, compilando o conhecimento actual da investigação sobre esta temática a nível global. «No total, foram encontrados 125 estudos, o que não é muito, dada a escala global, e mostra quão pouca investigação foi feita até agora nesta área», observa o coordenador do estudo.
Os ribeiros e rios são a força vital do nosso planeta, «“hotspots” de biodiversidade e essenciais para a vida humana: fornecem água potável, oferecem protecção contra enchentes e são usados para irrigar áreas agrícolas. Mas as actividades humanas estão a causar fortes impactos nos ecossistemas de água doce e nas suas funções ecológicas através de acções como a regularização das linhas de água, agricultura ou descarga de águas residuais, o que leva a uma variedade de efeitos ecológicos adversos», afirmam os autores do estudo.
A avaliação dos dados revelou que a eficiência com que os ribeiros retêm nitratos é quase cinco vezes menor para ribeiros que drenam bacias agrícolas do que para ribeiros em bacias com baixa actividade agrícola, o que, segundo os autores do estudo, é «surpreendente».
Outro resultado importante do estudo prende-se com a análise comparativa dos diferentes factores de stress, ou seja, os factores que têm o maior impacto em todas as funções ecológicas. «As águas residuais ocupam o primeiro lugar e são seguidas pela agricultura e urbanização, indicando que são áreas onde se deve tomar medidas urgentes», consideram os cientistas.
A participação da investigadora da FCTUC neste estudo foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) no âmbito do projecto SYSTAQUA – SYSTematic reviews in AQUAtic sciences: synthetizing research to produce general conclusions, analyze the causes of variation in research results and provide evidence-based management support (Revisões sistemáticas em ciências aquáticas: sintetizando o conhecimento científico para produzir conclusões gerais, analisar as causas da variação nos resultados da investigação e fornecer suporte para uma gestão baseada em evidências científicas).
O artigo científico está disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.16210.