Dra. Suzana Calretas – Núcleo de Estudos das Doenças do Fígado da SPMI
Vejamos: o fígado é um dos maiores órgãos do corpo humano que executa múltiplas funções vitais. À semelhança de uma grande fábrica, no fígado produz, armazena, distribui e elimina um grande número de substâncias. Há que manter todos estes mecanismos a funcionar sem sobressaltos. Qualquer grão na engrenagem pode comprometer temporária ou irremediavelmente todo o sistema.
É do senso comum associar problemas de fígado ao consumo de álcool: verdadeiro! Esta é de facto uma das principais causas de doença hepática, nomeadamente cirrose. Contudo há outras causas a ter em conta. A ganhar importância crescente, temos a esteatose hepática vulgarmente conhecida por fígado gordo. Esta condição está associada a estilos de vida pouco saudáveis, nomeadamente maus hábitos alimentares, sedentarismo, excesso de peso, assim como à dislipidemia e à diabetes mal controlada. Sabia que o fígado gordo pode evoluir para cirrose mesmo sem ingestão de álcool? De referir ainda como causas importantes de doença hepática as hepatites pelos vírus da hepatite A, B, C, D e E (sendo que a B e C são as que têm maior impacto em termos de saúde publica), as doenças autoimunes (sendo as principais a hepatite autoimune, a colangite biliar primaria e a colangite esclerosante primaria), as doenças metabólicas (como a hemocromatose e a doença de Wilson, doenças genéticas caracterizadas pela sobrecarga de ferro e cobre respetivamente) e a toxicidade hepática por fármacos e outros químicos. Uma agressão mantida ao fígado, independentemente da causa, vai provocar alterações que podem evoluir para cirrose. A cirrose predispõe ao desenvolvimento de cancro do fígado. As estatísticas mostram que a incidência de tumores malignos do fígado tem vindo aumentar de forma preocupante nos últimos anos.
Para além de condicionarem perda da qualidade de vida, as doenças do fígado são responsáveis por uma fatia significativa de consultas, internamentos e óbitos em todo o mundo. Portugal não é exceção.
Como mudar este panorama? Em primeiro lugar, através da prevenção: é fundamental a adoção de um estilo de vida saudável, com uma alimentação equilibrada, prática regular de exercício físico, controlo do peso e idealmente sem consumo de álcool; na ausência de imunidade, está disponível a vacina contra a hepatite A e hepatite B. Em segundo lugar, através de um diagnostico precoce: doença hepática pode ser silenciosa até fases muito avançadas e os sintomas iniciais podem ser inespecíficos; é importante fazer uma vigilância regular nos cuidados de saúde primários; alterações nos exames complementares de rotina podem indiciar doença hepática, a esclarecer de seguida de forma mais direcionada. Diagnosticadas precocemente muitas patologias do foro hepático podem ser curadas ou controladas. Atualmente dispomos de tratamentos cada vez mais eficazes. Nas fases mais avançadas da doença, por ineficácia do tratamento ou por diagnóstico tardio, poderá haver indicação para um transplante de fígado. Sabia que em Portugal em 2022 foram realizados 202 transplantes hepáticos, o que colocou o nosso país no 8º lugar a nível mundial em número de transplantes por milhão de habitante?
Dia Mundial do Fígado sim! Aproveitemo-lo para aumentar a consciência sobre a importância deste órgão vital. Faça uma pausa e pense: há quanto tempo não faz uma visita ao seu medico de família? O que faz pela sua saúde e mais concretamente pela saúde do seu fígado? É da sua responsabilidade mantê-lo saudável. Muitas doenças hepáticas são evitáveis. Tenha uma vida mais feliz mantendo um fígado feliz.