De acordo com a Organização Mundial de Saúde, preve-se que os próximos 20 anos tragam mais casos de cancro do ovário e mais mortes pela doença. Assim, decorrem várias iniciativas de forma a esclarecer dúvidas e partilhar testemunhos na primeira pessoa.
No dia 8 de Maio, sábado, a partir das 16:00 horas, decorrerá uma Live Session para responder a questões sobre sinais, sintomas e relação com as mutações BRCA. Poderá ser assistida na página de Facebook do projecto "saBeR mais ContA", onde se irá debater o risco acrescido deste tumor. Qualquer pessoa poderá colocar questões e ver respondidas as suas dúvidas.
Para Cláudia Andrade, especialista em obstetrícia e ginecologia no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra – Unidade de Ginecologia Oncológica, esta sessão é um contributo para uma melhor saúde: «A literacia na saúde é crucialmente importante, sobretudo nos dias que correm. Hoje em dia, qualquer pessoa acede ao digital para esclarecer qualquer dúvida que surja. A nossa função, como profissionais de saúde, é de fornecer informação validada e útil para quem a procura. Por outro lado, na promoção da saúde e prevenção da doença, é importante alertar a população para estas questões de rastreio, sintomas, tratamentos e também de esperança. A qualidade do tratamento passa não só pela técnica apurada, ou tratamentos inovadores, mas também pela palavra próxima com os nossos doentes».
Segundo a especialista, «o conhecimento sobre tumores hereditários é cada vez maior. Vemos cada vez mais doentes com vontade de saber mais e com necessidade de procurar mais informações». Acrescenta ainda que: «É frequente, hoje em dia, em consultas de rotina, ver doentes preocupadas com a possibilidade de poderem vir a desenvolver cancro, fazendo esta associação com o número de casos afectados com cancro na família. A mutação BRCA hereditária é aquela em que há talvez maior conhecimento, associado ao cancro da mama e do ovário, muito em parte também devido a alguns casos públicos mediáticos. O que falta divulgar e promover é a existência da mutação não-hereditária e o desenvolvimento de fármacos que alargam o espectro de tratamento destes tumores BRCA».
O teste genético é a melhor forma de confirmar - ou não - essa suspeita: «Todas as doentes com cancro do ovário epitelial e algumas com cancro da mama devem fazer o teste genético, normalmente requisitado nos hospitais onde estão a ser tratadas. Caso o teste comprove uma mutação hereditária, deve ser alargado aos membros da família», confirma a médica, relembrando que: «Para quem tem a mutação e tem cancro, hoje em dia, existe a oportunidade de um tratamento alargado, com vários fármacos, que lhes permite aumentar a sobrevivência. Para quem tem a mutação ainda sem doença, há um programa de vigilância específico apertado, normalmente nos centros de referência, e com a possibilidade de tratamentos profiláticos para evitar o desenvolvimento da doença».
Uma vez que não existe «um rastreio organizado, por não haver ainda nenhum método diagnóstico eficaz validado para o efeito, que possa ser reproduzido em massa na população e com comprovada detecção precoce do cancro, a melhor forma de detectar atempadamente este tipo de tumor é a realização periódica de exame ginecológico com ecografia ginecológica», refere a especialista. O que significa que são essenciais as consultas de rotina.
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Testemunho na primeira pessoa
«Não fiquem com medo. Ficar com medo é deixar o tempo passar e permitir que a doença nos vença!», afirma Ana Cristina Melo, 35 anos, um testemunho na primeira pessoa
Segundo Cristiana Pereira Marques, especialista em Oncologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, «O risco estimado ao longo da vida para uma mulher desenvolver cancro de ovário é de cerca de 1 em 54. Todos os anos, em Portugal, são diagnosticados cerca de 600 novos casos».
O cancro do ovário é diagnosticado geralmente após os 50 anos. Mas, há excepções. Ana Cristina Melo, 35 anos, é uma dessas exceções. Tinha apenas 31 anos quando lhe foi diagnosticado cancro do ovário. Submetida a cirurgia e quimioterapia, um novo tumor/recorrência foi detectado cerca de um ano depois, obrigando a mais quimioterapia e radioterapia. Por ter história familiar de cancro e pela idade jovem ao diagnóstico, foi efectuado um estudo genético que confirmou predisposição familiar para cancro hereditário – Síndrome de Lynch. Está neste momento em vigilância e sem evidência de doença, a recorrência do tumor, em vez de a desanimar, deixou-a ainda com mais forças para enfrentar a doença: «Estava farta desta doença que não me queria largar. Fazia-me lembrar uma pastilha na sola do sapato. Mas só me deu mais força. Já tinha a experiência anterior e pensei para mim mesma: não és tu que vais vencer, não és tu que ditas as regras da minha vida», afirma Ana Cristina Melo.
Foi essa força que lhe deu mais esperança e ânimo para encarar mais uma batalha: «Não vou ficar agarrada ao medo dessa probabilidade. Tenho de acreditar que vou sempre conseguir, que vou ter um desfecho positivo e acreditar na equipa médica que está ao meu lado», explica. Apesar disso, confessa que nem sempre teve um espírito elevado, o confronto com o diagnóstico foi difícil, sobretudo porque tinha muitos projectos e sonhos em mente, incluindo o da maternidade: «É uma notícia que ninguém quer receber. Temos toda uma série de projectos que, de repente, começam a ruir. Quando ouvimos a palavra cancro abre-se um fosso e toda a nossa perspetiva de futuro muda completamente», revela.
Ultrapassado o embate inicial, conta que aprendeu a dar «um passinho de cada vez» e a gerir toda a frustração, tristeza e angústia para encontrar forças para lutar contra uma doença que lhe queria roubar a vida. Aprendeu que os projectos podem não ser sonhos para sempre desfeitos, mas adaptados à nova condição. Aprendeu também a separar o importante do acessório e a preocupar-se mais consigo mesma, com o tempo em família e com os amigos.
Por isso, deixa uma mensagem a todas as mulheres, jovens ou menos jovens, porque há casos que escapam à norma: «se o corpo estiver a dar sinais de que algo está errado peçam ajuda, tentem informar-se, peçam exames». E lembra que «o cancro é uma doença que não espera, é evolutivo, e que quanto mais cedo for diagnosticado melhor será o prognóstico», apelando: «Não fiquem com medo; ficar com medo é deixar o tempo passar e permitir que a doença nos vença».
Poderá assitir aqui ao vídeo do testemunho de Ana Cristina Melo.