(Z1) 2025 - Radar Social

"O problema não é o sexo ou o corpo. O problema é a violência."

"O problema não é o sexo ou o corpo. O problema é a violência."

O Bloco de Esquerda Algarve vem, por este meio, condenar os factos recentemente tornados públicos sobre a barraquinha do curso de Engenharia Mecânica da Universidade do Algarve. Ao longo da última década, foram recolhidas imagens de partes íntimas de mulheres sob o efeito de álcool, com um "consentimento" que não vale o papel em que está escrito, para posterior divulgação em redes sociais. Embora o assédio e a violência sexual possam afetar todos os géneros, é inegável a predominância esmagadora de vítimas do género feminino. Esta prática levanta questões gravíssimas sobre o modo como estas situações têm sido sistematicamente ignoradas, desvalorizadas ou até normalizadas dentro da comunidade académica e pelas entidades que deveriam zelar pelo bem-estar estudantil.

O comunicado da Associação Académica da Universidade do Algarve (AAUAlg) é, por isso, manifestamente insuficiente. Ao focar-se unicamente nas frases misóginas presentes na decoração da barraca de Engenharia Mecânica — que, por si só, já constituem um ambiente hostil, humilhante e discriminatório para as mulheres — ignora o problema fundamental: a normalização do abuso sobre o corpo e a imagem de estudantes. É precisamente esta banalização da violência que sustenta uma cultura académica marcada pelo silêncio, pela vergonha e pela impunidade.

“Não se trata, como foi referido no comunicado da Associação Académica da Universidade do Algarve (AAUAlg), apenas de frases machistas e misóginas expostas na decoração da barraquinha. Trata-se de uma prática reiterada de exploração da intimidade de mulheres, que configura uma gravíssima violação dos seus direitos, e que não pode ser ignorada ou relativizada como uma simples “brincadeira de mau gosto”. Nenhuma outra barraca se promove através da exposição de fotografias de estudantes a mostrar partes íntimas do seu corpo.” afirma João Costeira, membro do Bloco de Esquerda.

A recolha e divulgação destas imagens inscreve-se num padrão de violência sexual estrutural e sistémica, semelhante à realidade vivida por milhares de mulheres expostas sem consentimento em grupos de Telegram. Uma realidade que arrasou vidas, destruiu carreiras e deixou cicatrizes profundas na saúde mental de inúmeras vítimas.

“Acreditamos que a ausência de controlo sobre o impacto destas divulgações tem consequências graves, como se viu recentemente no caso dos Influencers que cometeram um abuso sexual contra uma menor e ainda expuseram o crime nas redes sociais. Situações como esta colocam sobre nós, enquanto comunidade e enquanto sociedade, uma responsabilidade acrescida. Isto não é novo. Há pelo menos 10 anos que lidamos com estas práticas. Já em 2015 houve uma publicação onde uma mulher viu o seu nome, número de aluna e contacto telefónico divulgados numa rede social”, relembra Diana Lourenço, estudante de Sociologia na Universidade do Algarve e membro do Bloco de Esquerda.

A estudante afirma ainda: “Enquanto aluna da Universidade do Algarve, não posso deixar de sublinhar que o facto de esta prática existir há vários anos não a torna aceitável, apenas revela o quão enraizado está o problema. A repetição não transforma uma violência em ‘tradição’. O que está em causa não é apenas o passado, mas a forma como continuamos a permitir que isto aconteça, sem consequências reais. É difícil compreender como, num ambiente universitário, se tenha permitido durante tanto tempo que este tipo de práticas fossem vistas como algo normal, quando, na verdade, sempre foi sinal de que algo estava profundamente errado.”

Tatiana Caldeirinha, estudante da UALG e membro da Concelhia do Bloco de Esquerda em Faro, reafirma que “a cultura de impunidade perante a violência sexual, muitas vezes justificada pela chamada ‘tradição académica’, tem de chegar ao fim. Exigimos a criminalização efetiva de todas as formas de violência sexual que envolvam a captação, partilha ou manipulação de imagens íntimas, sejam reais ou geradas por inteligência artificial, que exponham mulheres e possam ter consequências devastadoras na suas vidas académica, profissional e/ou pessoal. Esta violência começa muitas vezes nas faixas etárias mais jovens, afetando meninas e mulheres em todas as fases da sua vida, tornando-as
vulneráveis.”

José Gusmão acrescenta: “É urgente esclarecer como é possível que, sendo esta prática uma realidade há mais de uma década, o projeto da barraquinha tenha sido aprovado no concurso organizado pela Associação Académica, ano após ano, após ano. O problema não é de decoro. O problema não é que a sexualidade seja um assunto na Semana Académica ou nos seus espaços, seja de forma séria ou ligeira. O problema é uma abordagem da sexualidade que banaliza e celebra a violência sobre as mulheres”

Sandra da Costa, professora e Dirigente Distrital do Bloco de Esquerda, afirma: “O silêncio ou a omissão também são formas de cumplicidade. Exigimos à AAUAlg um esclarecimento complexo e transparente sobre os critérios de aprovação das atividades das barraquinhas, bem como o conhecimento prévio destas práticas."

Congratulamo-nos com o posicionamento da Universidade do Algarve, embora tardio, e aguardamos com expectativa os resultados do inquérito em curso. Esperamos que este se traduza em responsabilizações concretas e em medidas efetivas para prevenir futuras ocorrências, em especial a revisão dos limites de idade para o acesso ao recinto sem acompanhamento parental que atualmente pode ocorrer a partir dos 12 anos. Contudo, destacamos a importância de campanhas contínuas de sensibilização na comunidade académica sobre violência de género, assédio e violência sexual, e a constituição dessas questões como crimes públicos. Além disso, defendemos a criação de um posto de denúncia e de serviços de apoio psicológico e encaminhamento judicial na Universidade e durante os eventos académicos, possibilitando às vítimas os primeiros socorros psicológicos, garantindo todo o suporte, acompanhamento e encaminhamento necessários.

O Bloco de Esquerda Algarve estará sempre ao lado das vítimas e de todos os que se levantam contra o machismo, a violência sexual e a cultura de silenciamento, como aliás o demonstrou ao replicar a sua campanha “Assédio não é sedução, é Violência” na porta do recinto da primeira noite da Semana Académica do Algarve onde “vários estudantes partilharam com os jovens do Bloco que realizaram a ação de sensibilização, a preocupação com as garantias de apoio, segurança e auxílio imediato caso sofressem algum tipo de assédio ou violência sexual em eventos académicos” afirma José Gusmão, candidato nº1 pelo Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral de Faro.

“Por uma academia segura, transparente e livre de violência!”
Jovens do Bloco - Algarve"

  • PARTILHAR   

Outros Artigos