Em agosto, na sequência da manifestação de interesse dos acionistas da Global Notícias – Media Group, S.A., e da Páginas Civilizadas, Lda., em alienar as participações sociais que detêm na Lusa – Agência de Notícias de Portugal, S.A., o Governo português, através do ministro que tutela a área da comunicação social, mostrou abertura para iniciar uma negociação para que o Estado pudesse vir a assumir uma posição mais significativa na estrutura acionista da Agência.
Esta intenção decorre da necessidade de preservar a autonomia da Lusa e do reconhecimento do seu papel estratégico para a defesa da comunicação social e do jornalismo. Não obstante, considerando a sensibilidade de uma intervenção com estas características num órgão de comunicação social, o Governo deixou sempre claro que se considerava obrigado a partilhar a sequência de decisões que pudesse vir a tomar com os partidos políticos com assento parlamentar, e designadamente com o maior partido da oposição. Isso foi feito desde o início, com total transparência, mesmo num contexto político que era ainda muito distinto do atual.
Além disso, como foi publicamente anunciado, uma operação desta natureza implicava o cumprimento de um conjunto de outros requisitos, indispensáveis para salvaguardar tanto os interesses do Estado quanto os da Lusa: uma avaliação dos capitais próprios da empresa feita por uma entidade independente; a liquidação da dívida que as empresas do grupo Global Media têm perante a Lusa; e uma alteração do modelo de governação da Agência, que garantisse a sua independência editorial a salvo de qualquer risco de interferência política.
Nos últimos três meses, a Lusa pediu um estudo de avaliação do valor dos seus capitais próprios a uma empresa independente. Tal estudo foi objeto de parecer dos serviços do Ministério das Finanças, o que permitiu estabelecer um valor para a aquisição das ações. Uma vez alcançado um acordo quanto a este valor, o eventual sucesso da operação dependeria sempre da liquidação simultânea da dívida que as empresas do grupo Global Media acumularam, ao longo dos anos, perante a Lusa, em decorrência dos serviços que lhes foram prestados pela Agência. Os restantes acionistas privados da Lusa (NP – Notícias de Portugal, CRL; Público-Comunicação Social, S. A., e Empresa do Diário do Minho, Lda.) foram mantidos ao corrente das negociações, tendo sido questionados sobre o seu possível interesse em acompanhar, de forma proporcional, o eventual aumento da participação do Estado.
No dia 22 de novembro de 2023, a Direção-Geral do Tesouro e Finanças apresentou, em nome do Estado, uma proposta formal de aquisição, tendo desde então decorrido um processo negocial exigente e confidencial, que incluía a liquidação integral da dívida do grupo Global Media à Lusa. No entanto, para poder chegar a bom porto, esta negociação esteve sempre associada à existência de um compromisso político alargado – uma necessidade que já era reconhecida em agosto e que as atuais circunstâncias políticas só tornaram mais premente. Ontem mesmo, o ministro da Cultura foi informado da posição do PSD, rapidamente tornada pública em vários órgãos de comunicação social, no sentido de que qualquer decisão “deveria ser tomada pelo próximo Governo”. Neste quadro, deixam de estar reunidas as condições para concluir a operação, e disso mesmo foi dada notícia às partes.
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Num momento em que a comunicação social tem de fazer face a exigências financeiras complexas, a assunção pelo Estado de uma posição acionista reforçada na Lusa seria ao mesmo tempo um garante da autonomia da Agência e um instrumento para a colocar de forma decisiva ao serviço da comunicação social e do jornalismo.
Como foi em devido tempo anunciado, a concretização da operação de compra das participações na Lusa fazia parte de uma estratégia mais ampla, que passava, em primeiro lugar, por alterar o modelo de governação da Agência e, em segundo, por disponibilizar os seus serviços sem custos a todos os órgãos de comunicação social. Estes dois elementos vinham sendo trabalhados pelo Governo com a administração da Lusa, e seriam concretizados a partir de 2024.
Por um lado, pretendia-se criar um novo órgão de supervisão com poderes efetivos na designação da administração da empresa. Tal órgão seria composto por associações representativas da imprensa, rádio e televisão, de âmbito nacional e regional, de meios públicos e privados; pelo Sindicato dos Jornalistas e por representantes dos trabalhadores da Lusa; e por representantes dos municípios do continente e dos governos das regiões autónomas. Estas entidades deveriam em seguida cooptar outros elementos. O novo modelo de governação, assim constituído, seria um garante efetivo de que a Lusa estaria protegida de qualquer risco de captura política e que responderia aos beneficiários dos seus serviços – isto é, em primeiro lugar, os meios de comunicação social e os respetivos profissionais e, em última instância, os cidadãos. Em tempos tão exigentes como aqueles que o jornalismo atualmente atravessa, uma agência de notícias pode e deve ser um garante da qualidade da informação e de independência, pluralismo e autonomia da comunicação social.
Por outro, depois de ter aumentado significativamente a indemnização compensatória da Lusa em 2023, era intenção do Governo levar a cabo no próximo ano uma nova revisão desta indemnização, bem como, naturalmente, do contrato de serviço público, de maneira a permitir isentar os órgãos de comunicação social do pagamento dos serviços prestados pela Agência Lusa. Esta medida, que dispunha já de enquadramento orçamental para 2024, afigurava-se uma escolha eficiente para apoiar a comunicação social de maneira transversal, com particular impacto nos meios regionais e locais, em cuja estrutura de custos os serviços da Lusa têm um peso mais significativo. Tratava-se de uma forma concreta de apoiar a comunicação social no seu conjunto, com um instrumento não condicional, sem a complexidade de mecanismos de financiamento assentes em métricas sempre discutíveis, ou em escolhas discricionárias que devem estar totalmente afastadas da relação entre o Estado e os media.
No momento atual, não existindo um consenso político alargado, a operação revelou-se inviável. Caberá ao próximo Governo assumir as suas responsabilidades e encontrar uma solução que garanta o salutar pluralismo, independência e salvaguarda do serviço público prestado pela Lusa - essencial para o conjunto da comunicação social-, e que, pelas circunstâncias da atual situação política, nos vemos impedidos de adotar.