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Declaração da CDU sobre o estado do património no concelho de Lagos

Declaração da CDU sobre o estado do património no concelho de Lagos

Sessão Extraordinária da Assembleia Municipal de Lagos de 22.10.2018.

“Para efeitos de enquadramento do debate sobre o Estado do Património no Concelho e no sentido de obter uma sólida referência para orientar esta análise, resumimos a definição do conceito e âmbito do património cultural, que consta do ponto 2. da Lei 107/2001, de 8 de Setembro, Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural e Bens Imateriais, a saber:

. A língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional.
. O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, linguístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens reflectindo valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade. 
. Os bens imateriais que constituem parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva. 
. A cultura tradicional popular.

Assim, comecemos por referir que se verifica, por parte de entidades públicas e privadas, uma repetida menorização da língua portuguesa, substituída, nomeadamente em títulos de eventos, por terminologia em língua inglesa.
A título de exemplo, na parte em português da publicação bilingue Viva Lagos, da Câmara Municipal de Lagos, encontramos «Lagos World Beer Fest», organização da Câmara Municipal de Lagos; «Lagos Sunset Color Party», da Agarra- Associação Jovem de Lagos; «In Lagos Street Food Fest», da Junta de Freguesia de S. Gonçalo de Lagos, Câmara Municipal de Lagos e outros. Estes exemplos, não têm nada que ver com o desejável domínio de uma língua estrangeira com que um português se possa entender seja com quem for e em qualquer local no mundo.
Pelo contrário, além de totalmente desnecessária pela existência de apropriada nomenclatura portuguesa, muitas vezes até consolidada por uso tradicional, esta indefensável e abusiva substituição do português, constitui um recuo civilizacional de consequências que tendem a permanecer, uma deseducação sobre o valor do nosso património, um empobrecimento do vocabulário português, nomeadamente entre a juventude e, no limite, uma verdadeira aceitação da colonização cultural, que não se pode confundir com outra coisa que é muito positiva, a globalização multicultural. Na qual, aliás, a língua portuguesa tem uma importante palavra a dizer.
É assim frontalmente contrariada a primeira definição que a Lei portuguesa faz de Património Cultural.
Acerca do Património com interesse cultural relevante no Concelho de Lagos, a Câmara Municipal enviou, para a sessão extraordinária de 31 de Março de 2017 desta Assembleia, dedicada ao Património, uma listagem de do Património Classificado disponibilizada pela DGPC, bem como um documento de 2012 de enquadramento e inventário do Património, incluído na revisão do PU de Lagos.
Mas esta listagem, refere apenas património de caracter histórico e arqueológico, sem nenhuma menção, quer de património reflectindo outros valores referidos na Lei e muito relevantes na cultura no nosso Concelho, como de memória, quer património construído proveniente de épocas recentes.

Em relação ao Património Classificado do Concelho, a descrição fornecida incide apenas sobre edificações, nas quais há longos anos que se mantêm apenas as mesmas 3 como Monumento Nacional, 8 como Monumento de Interesse Público e 2 como de Interesse Municipal. 
Verificamos ainda que a referida listagem do património, consta de cerca de 200 fichas de edificações, organizada por quarteirões e ruas da cidade. Não apresenta informação sobre ter sido objecto de qualquer processo analítico que sistematizasse esse inventário sob critérios de valor ou de nível de interesse, de forma a torna-lo útil para orientar o planeamento e as acções de salvaguarda do património, como compete aos órgãos da autarquia.
É nesta medida que se situa a qualidade excepcional dos elementos do património natural do Concelho de Lagos. A baía de Lagos e os seus envolventes, a Meia Praia e a Costa D’Oiro rematada na Ponta da Piedade, revelam um valor ambiental e paisagístico singular, que justificou a recomendação desta Assembleia à Câmara Municipal para que apresentasse a sua candidatura ao Clube das Mais Belas Baías do Mundo. Além de que a nossa baía tem excepcionais condições como fonte de recursos marinhos e investigação subaquática, uma variedade de situações para disfrute balnear e de lazer e é considerada a melhor pista europeia para a prática do desporto da vela. Por sua vez, o património do interior do Concelho, além das suas povoações de vida rural ligada à natureza, inclui a albufeira da barragem da Bravura e a mata nacional de Barão de S. João.

Referindo agora o património imaterial e da cultura popular, o Concelho de Lagos possui igualmente um acervo e um historial de apreciável riqueza, de que algumas expressões chegaram vivas até aos nossos dias, como, entre outras, as maias, a arte xávega, a doçaria popular e conventual com destaque para o bolo de D. Rodrigo, o banho de 29 de Agosto, a procissão dos barcos de pesca à Ponta da Piedade, os santos populares. Estas manifestações, pela sua autenticidade e genuinidade, não são meros eventos pontuais sem relação entre si e deve ser estudada a sua inclusão no Inventário Nacional do Património Imaterial.
Ainda neste sentido e sob a mesma óptica de rigorosa investigação, merecem tratamento e preservação integrada as memórias e os saberes tradicionais do Concelho sobre a pesca e o mundo rural, assim como da industria conserveira, dos mármores, da cortiça, da cerâmica, das moagens e da construção naval.

Consideram-se igualmente no âmbito do património concelhio os registos de acontecimentos de particular relevância no processo histórico e no progresso do Concelho, seja a eleição da primeira Câmara Municipal república em tempo da monarquia e os acontecimentos em Lagos do 25 de Abril de 1974, seja o abastecimento público de água na cidade, a chegada do comboio, a instalação da central eléctrica, da adega cooperativa, a construção da barragem da Bravura.
Acresce que a protecção do nosso Património, visto nesta óptica e no sentido que se descreve, não é só um factor insubstituível na valorização cívica e cultural da nossa comunidade. É igualmente decisiva para o futuro colectivo, na medida em que esta valorização significa enriquecimento da qualidade de vida da população residente e visitante e, consequentemente, tem papel preponderante na imagem que o Concelho projecta para o exterior, cuja qualidade é essencial para a sustentabilidade das actividades turísticas, hoje estruturantes na cultura, na economia e na criação de emprego.

Por tudo isto, o tema do património tem tido a permanente atenção desta Assembleia, como foi a sessão extraordinária de Março de 2017, em que foram apresentadas duas propostas de deliberação. Uma, do Grupo do PS, recomendando à Câmara Municipal a elaboração no prazo de um ano, da Carta do Património, com monitorização trimestral. Outra, do Grupo da CDU, de recomendação para que a Câmara Municipal desse início, desde logo, ao Processo de Classificação de Interesse Municipal do património edificado de que se incluía uma lista de propriedade de organismos nacionais, de propriedade municipal e de propriedade privada.

A proposta do Grupo do PS, foi aprovada, não se conhecendo que, passado ano e meio, a Câmara Municipal lhe tenha dado qualquer desenvolvimento ou execução. A do Grupo da CDU foi reprovada, mas a falta da protecção que se teria obtido com a classificação do património da lista apresentada, já resultou numa demolição e em várias situações de degradação e vandalismo.

Ora há que considerar que o Concelho de Lagos é herdeiro e depositário de valioso acervo patrimonial de vária natureza, época, origem e função e nomeadamente de memória. No seu conjunto, constitui um notável património colectivo, abrangendo todos os campos da vida e actividade da população. Nele se reflete o percurso histórico e a evolução social, cultural, urbanística e económica, seja no Concelho seja no âmbito do Algarve, ou como influente participante no decorrer da História do País.

Todavia não se sabe que todo este património do nosso Concelho tenha sido sujeito a tratamento integrante de natureza científica, à luz dos modernos conceitos sobre história e património. O que se pode constatar, é a casuística e a superficialidade usadas como método. Veja-se a Ponta da Piedade. Foi a justeza dos protestos face à obra original, que forçou a intervenção das disciplinas científicas que corrigiram a leviandade então em curso e que desde o início deviam ter feito parte duma equipa de projecto multidisciplinar.

Contudo, ainda ficou a faltar uma visão global do problema, abrangendo a dimensão da Costa d’Oiro, a história, a museologia, a memória, o urbanismo, o turismo, a economia, a participação popular. Face à lição da experiência desta primeira fase, estas disciplinas deverão, obrigatoriamente, fazer parte integrante do projecto da segunda fase, onde irão encontrar as tensões locais agravadas perante um facto consumado, por competente que tenha sido, mas desgarrado do todo em causa.

Outro objectivo do trabalho integrado sobre o património, é o rigor na informação que é prestada, quer ao nível do grande público, quer ao dispor das escolas, de investigadores e de estudiosos, ou ainda como suporte da estruturação da museologia no Concelho.

Estamos no final do Ano Europeu do Património, portanto no momento de extrair conclusões sobre a reflexão que terá resultado das iniciativas e eventos que tiveram lugar, onde esta sessão extraordinária da Assembleia Municipal necessariamente se inclui.

Poder-se-á, assim, concluir como inquestionável a necessidade de se criar, no nosso Concelho, uma nova perspectiva sobre o Património, para ser olhado na completa dimensão que a Lei Portuguesa e as Convenções, Directivas e Recomendações da UNESCO lhe atribuem.

O facto é que os anos passam, as memórias perdem-se, as edificações sofrem com a passagem do tempo e a inconsciência, a transmissão oral reduz-se e a documental dispersa-se, o património fica cada vez mais vulnerável a pressões e interesses especulativos e ao vandalismo e a comunidade, sem uma intervenção conhecedora sobre o património, empobrece.

É este o tempo de tomar medidas para eficaz protecção e salvaguarda do património concelhio, com visão integrada da interacção dos seus componentes. Medidas que, organizadas em regime multidisciplinar na base do conhecimento científico e do saber técnico e trabalhando a partir da vasta investigação e documentação já conhecida, visem o planeamento de acções e intervenções, assim como propostas de classificação local ou nacional. O objectivo é, por um lado, garantir a protecção legal do património e, em simultâneo, abrir-lhe a porta a meios de financiamento, seja para recuperação e uso como equipamento e serviço público, seja para a sua reutilização em investimento público ou privado com alto grau de valorização.

Os vindouros não perdoarão se continuarmos sem dar a apropriada e lúcida resposta à complexa problemática da salvaguarda do nosso património colectivo, com valor de civilização e de democratização da cultura, que importa preservar e legar para as gerações futuras.”

Lagos, 22 de Outubro de 2018

Os eleitos da CDU

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