Um artigo publicado no passado fim‐de‐semana na Der Spiegel, a mais prestigiada revista de informação alemã, sobre a desastrosa situação ambiental, social e económica que se vive no Sudoeste português à mercê da agricultura intensiva, veio revelar a milhares de leitores e consumidores alemães como a apetência do mercado internacional por frutos vermelhos, saladas embaladas e outras culturas está a condenar os ecossistemas do outrora magnífico Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) à ruína e toda a região a uma assustadora escassez de água, assim como a comprometer os direitos mais básicos da força de trabalho migrante, causando uma profunda ferida social.
Sendo que no referido artigo é manifestado que «a expectativa da indústria é de que o consumo (de frutos vermelhos) quadruplique nos próximos anos» e se a situação do território do Sudoeste está como está à data de hoje, o seu futuro avizinha-se então seriamente «comprometido», nas palavras do movimento "Juntos pelo Sudoeste", se não for alcançado um equilíbrio «com muita urgência».
O texto sugere que a pobreza e desertificação do Alentejo torna a região um alvo fácil da atenção de empresas cujos escrúpulos ambientais e sociais são inversamente proporcionais aos números de facturação do sector, organizando-se em redes complexas «de corporações agrícolas multinacionais, grandes proprietários de terras locais e empresas comerciais europeias», operando à margem da inexistente fiscalização portuguesa e capturando até o bem mais precioso: a água que fornece os concelhos de Odemira e Aljezur vem da barragem de Santa Clara, que estava no final de Julho a 46% da sua capacidade máxima, e é gerida por uma associação cujos corpos sociais são ocupados por dirigentes ligados ao agronegócio. Aliás, no artigo da Der Spiegel fica bem patente que o próprio autarca de Odemira já não sabe o que pensar sobre a situação do território que, de alguma forma, tem sob sua responsabilidade há três mandatos consecutivos.
A Der Spiegel salienta ainda o que também é «óbvio», segundo o movimento: «O florescente negócio dos frutos vermelhos só funciona porque um exército de migrantes trabalha aqui, muitos dos quais sabem tão pouco sobre os seus direitos quanto sobre a língua portuguesa». Ou seja, o modelo de agricultura intensiva perpetua uma lógica de salários baixos e condições de vida vergonhosas de um dos «factores de produção» mais importantes na cadeia deste negócio: os recursos humanos, neste caso compostos por uma maioria de cidadãos oriundos de países como Nepal, Índia, Bangladesh, etc.
«O facto de Portugal atrair tantos trabalhadores migrantes deve-se também a um dos sistemas de imigração mais liberais da Europa. Quem tem um contrato de trabalho há mais de seis meses recebe uma autorização de residência (...). O "visto framboesa" agora é eufemisticamente chamado de esperança». Na verdade, não é a primeira vez que este tema é abordado na imprensa alemã, tendo sido publicada há alguns meses uma reportagem precisamente com o título “O visto framboesa”, que foi inclusivamente um dos trabalhos vencedores do Prémio de Jornalismo Luso-Alemão.
Ao diagnóstico da Der Spiegel, o Juntos pelo Sudoeste acrescenta que «este ímpeto agrícola só é possível porque o Estado português abdicou de cuidar e vigiar partes muito significativas do seu território, permitindo a instalação de interesses que não devolvem nada à região e que estão em completa contradição com os valores que se pretendem proteger, na medida em que estamos a falar de uma zona que não só é Parque Natural, como está integrado em Rede Natura 2000, constituindo a Zona Especial de Conservação (ZEC) do Sudoeste. Se o agronegócio e a Associação de Beneficiários do Mira são culpados por acção, o Estado Português é culpado por total omissão».
Por fim, remata que este trabalho de investigação é «mais um passo na divulgação da situação insustentável dos concelhos de Odemira e Aljezur, como consequência do avanço imparável da agricultura intensiva focada na exportação, que compromete um Parque Natural, fractura o maior concelho do país, usa e abusa da água, factura 250 milhões de euros anuais, recebe benefícios fiscais, paga impostos não se sabe bem onde mas certamente não em Odemira, remunera a sua força laboral pelo mínimo, desresponsabiliza-se das suas condições miseráveis de vida e ainda acena a bandeira do “desenvolvimento económico”, quando o que de facto deixa no Sudoeste é a degradação ambiental e social que se vê a olho nu».