A verdade sobre a Via do Infante: justiça, memória e o Algarve que merece respeito

Vivemos tempos em que a memória histórica é muitas vezes manipulada para fins de propaganda imediata. Porém, como nos recorda o Papa Francisco, “o povo que perde a memória perde a sua identidade.” O Algarve, terra de homens e mulheres que lutam com dignidade pelos seus direitos, merece que se diga a verdade — clara, inteira e sem artifícios — sobre a história da A22, a Via do Infante, e sobre quem, de facto, serviu ou prejudicou esta região ao longo das últimas décadas.
Nas últimas semanas, assistimos à colocação de dezenas de outdoors espalhados pela região a proclamar que o Partido Socialista (PS), em aliança tácita com o Chega (CH), pôs fim às portagens na A22, apresentando-se como autor da “libertação” dos Algarvios de um fardo injusto. Esta narrativa, no entanto, exige ser confrontada com a realidade, pois não é possível construir o futuro sem respeito pela verdade do passado.
A génese da Via do Infante: uma obra de coesão regional
A Via do Infante, agora designada como A22, foi concebida nos anos 80 como uma solução para os problemas de mobilidade da região e estruturada como um instrumento de coesão territorial, num país ainda a consolidar a sua integração europeia. Sob os governos liderados pelo Professor Aníbal Cavaco Silva, natural de Boliqueime, iniciou-se a construção progressiva deste eixo viário através da Junta Autónoma das Estradas, com recurso a fundos do Quadro Comunitário de Apoio I (1989-1993).
A sua filosofia era clara: garantir acessibilidade gratuita e segura a todas as populações do Algarve, de Lagos a Castro Marim, substituindo gradualmente a já saturada EN125. Esta estratégia inseria-se numa visão ampla de justiça interterritorial, que colocava o Algarve ao nível de outras regiões do país em termos de infraestruturas básicas.
Foi uma obra feita em nome do bem comum, não para servir lucros privados ou alimentar dívidas ocultas, mas para ligar pessoas, fomentar o turismo, apoiar as economias locais e unir o litoral à serra.
A inversão socialista: de via pública a fonte de receita
Infelizmente, a partir de 1997, com o regresso do PS ao poder, iniciou-se um processo que viria a comprometer esse desígnio. Sob a liderança de António Guterres, e com o ministro João Cravinho, o Governo importou do Reino Unido o modelo das chamadas SCUT – Sem Custos para o Utilizador, que mais tarde se revelaria uma armadilha para os contribuintes.
Em 2000, o consórcio que venceu a Concessão SCUT Algarve, liderado pela empresa Cintra, ficou responsável pela construção de apenas 35,6 km de estrada — numa via em que 91,5 km já estavam construídos, ou seja, mais de 72% da infraestrutura foi executada antes do modelo SCUT. Em 2003, estava concluída a totalidade do traçado previsto desde a década de 80.
No entanto, o golpe de fundo deu-se em 2009, já sob a liderança de José Sócrates, quando o Governo aprovou legislação permitindo a instalação de portagens eletrónicas em todas as SCUT. Foi este o passo decisivo que transformou uma via pensada para o povo algarvio numa fonte constante de receita para o Estado e para os operadores privados.
Sob os governos socialistas seguintes, já liderados por António Costa, com o apoio de Pedro Nuno Santos, nunca foi revertida essa injustiça, tendo-se inclusive agravado: cerca de 37 milhões de euros por ano foram retirados aos bolsos dos cidadãos e empresas da região entre 2015 e 2022, num total que ultrapassa os 400 milhões de euros desde 2011. Acresce que os critérios de isenção das portagens, também definidos por executivos do PS, nunca beneficiaram os Algarvios, por se basearem numa regra de rendimento médio nacional — que excluía automaticamente o Algarve por ter um PIB per capita superior ao limiar de 0,8.
A tentativa de apagar a história
Hoje, ao ver o PS e o Chega reclamarem para si os louros de uma decisão que só foi tomada após uma década de pressão da sociedade civil, das autarquias locais, das associações empresariais e de diversas forças vivas do Algarve, não podemos ficar em silêncio.
Foi a persistência das populações, das Câmaras Municipais, das Assembleias Municipais e da mobilização apartidária de cidadãos livres e conscientes que forçou o recuo, já em fim de ciclo político, com o PS a tentar apagar com marketing uma história que o condena.
Mais chocante ainda é ver o Chega — partido que cresceu, em parte, como fenómeno de protesto contra estas mesmas políticas — associar-se agora ao PS nesta campanha propagandística, contribuindo para o esvaziamento do debate político sério e para a desinformação da população.
O que o CDS-PP defende para o Algarve
A Democracia Cristã não se constrói em cima de slogans ou cartazes. Baseia-se em princípios sólidos e duradouros, como a solidariedade entre regiões, a subsidiariedade nas decisões públicas, a justiça social e o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o Algarve deve continuar a lutar por:
• Infraestruturas públicas acessíveis a todos, sem discriminação;
• Políticas fiscais e tarifárias justas, que tenham em conta as especificidades regionais;
• Uma mobilidade integrada que sirva tanto os residentes como os visitantes;
• Transparência na gestão de contratos públicos e das concessões rodoviárias.
Mais do que discutir o fim das portagens, é fundamental pensar no futuro da mobilidade algarvia: com transporte público de qualidade, com respeito ambiental, e com infraestruturas que sirvam o desenvolvimento sustentável da região.
Conclusão: verdade, justiça e serviço público
É imperativo que o debate político no Algarve recupere o sentido de verdade e responsabilidade. Não se constrói o futuro com narrativas falsas, nem se dignifica a política enganando os eleitores com campanhas de curta memória.
A abolição das portagens na A22 é, sim, uma vitória. Mas não é de quem agora a reclama. É do povo algarvio, da sua memória, resistência e persistência.
Como diria Adelino Amaro da Costa, “a política é o exercício mais nobre da caridade se for feita com verdade, com serviço e com amor ao próximo.” Que esta verdade seja dita — alto e em bom som — por respeito a todos os que aqui vivem, trabalham e acreditam num Algarve mais justo e mais digno.
Alexandre Guedes Silva