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Uma Rosa e muitos espinhos ou a taxa do nosso descontentamento

Uma Rosa e muitos espinhos ou a taxa do nosso descontentamento

Artigo de opinião de Artur Tovar de Morais (blog Turismo 3.0)

Muito já se falou sobre a introdução de uma taxa turística no Algarve, sabe-se há muito que foi em sede de reunião da associação de municípios do Algarve que a decisão foi tomada mas não foi unânime pois desde o início o município de Silves não apoiou nem gostou da decisão, fazendo logo constar que não pensa sequer em introduzi-la no seu próprio concelho. Pode-se dizer, claro, que o facto da Câmara Municipal de Silves ser liderada por um partido político (neste caso coligação) que é uma exceção à regra, uma vez que no Algarve todos os outros concelhos são liderados pelo PS e pelo PSD, estaria a tentar fazer política “politiqueira” à conta desta questão, mas também se pode dizer que o concelho de Silves está a tentar reabilitar um pouco a sua imagem através da não aplicação da taxa, recuperando assim Armação de Pera como um importante destino, além de chamar a atenção para o interior do concelho, zona também com potencial para se afirmar como destino de investimentos. Como tal, a taxa turística não seria uma boa ideia. Parabéns a Silves, ditos por quem nem sequer é apoiante dessa coligação ou de outros partidos.

Independentemente dessa dissonância entre essa cidade e o resto da região, é preciso dizer que a taxa turística só foi pensada por cá não pelo facto de ela já existir nalguns países, mas apenas (mais uma vez isto é o típico português) só porque Lisboa e, posteriormente, o Porto a introduziram. Simples assim. Não é que o valor pensado para a mesma, de € 1,00 (valor mínimo) por dormida a cobrar durante apenas um certo número de noites da estadia (pelo menos 5 a 7 noites, talvez de março a outubro), seja algo caro ou inibidor para os turistas. A questão aqui nada tem a ver com o preço, com o valor da taxa por assim dizer.

A problemática surge devido ao sinal que estamos a passar para fora, leia-se para os turistas individuais, para os operadores, enfim, para os envolvidos no chamado “trade” turístico.

Basta fazer uma pesquisa na internet para chegarmos à conclusão que, por exemplo, muitos dos turistas britânicos que visitam destinos um pouco por toda a Europa não gostam da ideia da taxa turística, causando até uma certa confusão a maneira como ela é paga. Este exemplo não é o único, claro, há mais exemplos de pessoas que estranham, pois já pagam muitas “alcavalas” só pelo simples ato de viajar. Sabemos muito bem que a taxa turística foi uma criação de cidades e regiões que necessitavam claramente de sinalizar que muitos dos seus residentes estavam “fartos” de turistas e tinham até razões para isso. Os grandes exemplos são mesmo Paris, Barcelona, Amesterdão e a massacrada Veneza, só para citar os mais emblemáticos. Obviamente que estas e outras cidades com dinâmicas económicas que não passam só pelo turismo, como sucede na maioria das capitais europeias, também poderão introduzir essa taxa (ou já o fizeram), até para demostrar aos próprios residentes que as autoridades estão atentas e que não desejam que a sua cidade se torne uma espécie de Disneylândia. Nestes casos, ainda que a muito custo, poder-se-á entender a aplicação deste tributo. Ainda assim, as taxas não resolveram nenhum problema relacionado com o “overcrowding”, o que já de si diz bem da utilidade das mesmas…

 

Só que a grande questão para nós é outra, completamente à margem. O que é que nós no Algarve temos a ver com o que atrás foi dito? Porque é que nós temos que ser eternamente uma espécie de “Maria-vai-com-as-outras”? Podemos nós, porventura, nos compararmos a grandes cidades que têm diferentes fatores de atratividade económica e social e, como tal, vivem bem sem turistas e não necessitam claramente desses possíveis exageros? Seremos nós no Algarve uma espécie de arquipélago ecologicamente sensível, em perigo, que deve evitar e restringir o turismo? A esse propósito, ainda recentemente observámos como os municípios apoiaram os contestatários à exploração do petróleo no Algarve, contestação essa que se aceita perfeitamente por poder, potencialmente, colocar em causa o atual “status quo” económico e social da região ou de uma parte da mesma. Assim sendo, que sentido faz declarar “amor ao turismo” para depois se tomar uma medida que sinaliza exatamente o contrário?

A grande utilidade da taxa turística não é, ao contrário do que se diz, a da obtenção de verbas para ajudar a sustentabilidade ambiental do local A ou B. Ou para compensar custos acrescidos por via do aumento do movimento de pessoas. Nem sequer para grandes eventos culturais dedicados à época balnear. Veja-se o que Lisboa fez. Investiu em obras de um monumento nacional, algo que não lhe cabia, pois tal deveria ficar a cargo da administração central. Desviou verbas para o palácio nacional da Ajuda, só para dar um pequeno exemplo. Para não falar do financiamento da Web Summit. A grande verdade é que este tipo de atitude já vinha de fora. Na sequência das crises financeiras, que como todos recordamos, ocorreram na Europa, muitos municípios aproveitaram para introduzir a taxa turística, a qual serviu para cobrir défices excessivos como, por exemplo, sucedeu na Croácia. Por conta da introdução da mesma em Dubrovnik (eis um destino “massacrado”), outras localidades aproveitaram a boleia e fizeram o mesmo. Infelizmente, os exemplos de fora são claros: a taxa nunca serviu para melhorar a experiência do turista ao visitar determinada cidade ou região, mas sim para ajudar a fechar o “gap” das contas públicas.

 

É, pois, claro como a água: sem taxa turística em Lisboa, não teria a mesma sido introduzida no Porto e não teria sequer sido assunto ou tema de discussão no Algarve.

Ainda que se pudesse aceitar a taxa como apenas “mais uma” de muitas, teríamos sempre de discutir o problema nuclear e que é o seguinte: não devemos nunca, mas nunca, no Algarve dar esse péssimo sinal de que achamos que temos “turismo a mais”. É um erro, sim, logo agora que outros destinos de sol e praia estão a recuperar e bem. Isto significa que o Algarve terá seguramente grandes dificuldades em crescer como tem ocorrido nos últimos anos, situação que já se verificou em 2018 (aguardamos os números finais, mas já há quedas importantes no turismo britânico, só para dar um exemplo) e que se poderá evidenciar em 2019. Agora, os grandes operadores turísticos (e não só) estão claramente a tentar desviar os turistas de Portugal e Espanha para destinos mais baratos, mais concorrenciais na relação qualidade/preço, situação visível pelo regresso à ribalta dos destinos Tunísia, Egito ou Turquia (este é realmente barato para os europeus), isto para não falar da Grécia, da Croácia e muitos outros exemplos dentro e fora da Europa. Numa hora de incertezas e maior instabilidade global será legítimo começar a cobrar uma nova taxa exatamente numa altura em que poderemos ter dificuldades em crescer ou mesmo não crescer? O Algarve, em 2018, como dissemos, já não terá crescido por aí além em número de visitantes. Em alguns casos as receitas e os lucros de muitas unidades hoteleiras já terão até diminuído. Não parece, pois, nada prudente introduzir esse tipo de tributo. Se os autarcas soubessem como é enervante para os turistas o pagamento, por exemplo, de portagens como as da A22, certamente pensariam melhor sobre tudo isto.

Ainda por cima, apesar de, teoricamente, ser o turista a pagar a taxa, o que se verifica na realidade é algo diferente. Na prática, será sempre o empresário que a sustenta porque nenhum proprietário de estabelecimentos de dormidas vai deixar que a mesma inflacione os preços no atual ambiente de elevada concorrência, sobretudo os de pequenos estabelecimentos “low cost” (para não falar da burocracia, pois o empresário é que cobra, mas o município é que beneficia). Se a dormida for de €49,00 por noite, a mesma passará a ser de €48,00 para que o preço final não passe dos mesmos quarenta nove euros originais. Em todo o caso, ainda que seja mesmo o turista a pagar e caso ele tenha uma estadia de 5 noites, serão sempre mais cinco euros (pelo menos, pode ser mais) a sair da esfera dos privados a favor do Estado. Há que não esquecer que os municípios também são Estado. Numa época em que a política oficial do Governo e da maioria que o sustenta é a progressiva (ainda que lenta) devolução de rendimentos às pessoas (e também às empresas), fará sentido extrair dos privados mais uns milhões de euros por ano? É uma contradição! Neste Algarve tão sazonal quaisquer verbas retiradas das mãos dos empreendedores podem ser prejudiciais ao andamento e desenvolvimento dos respetivos negócios.

Por outro lado, este tributo levará inevitavelmente a diversas injustiças, sendo importante dar alguns exemplos para reflexão.

 

Desde logo, o nome é bem enganador. Isto não é uma taxa turística, mas sim uma taxa de estadia, começando logo por ser uma grande injustiça (Veneza é que tem uma verdadeira taxa turística pois é cobrada pelo ato de visitar a zona histórica). Porque é que os fornecedores de alojamento é que têm de cobrar estas verbas quando a presença de turistas beneficia todo o tipo de negócios de uma região como a nossa? Os turistas não se alojam e desaparecem. Eles usaram transportes para cá chegarem, na maioria das vezes dois ou três meios de transporte. Também vão a restaurantes e/ou outros estabelecimentos congéneres. Muitos também consomem diversas experiências um pouco por todo o lado. Isto significa que a taxa é escusada pois os turistas já estão a pagar impostos bem pesados através do seu consumo de bens e serviços. Além do mais, quando um Hotel paga a conta da água está a pagar aos municípios toda a sorte de serviços inerentes à referida conta, a qual não existiria se não fossem esses hóspedes. Por outro lado, temos a questão da definição legal de turista. Sendo apenas as estadias até 30 dias consideradas “turísticas”, só estas é que vão pagar (até x dias de estadia) a dita taxa. Um “turista” que passe uma temporada, digamos, 90 dias através de um serviço de aluguer de média duração já não será considerado turista para este efeito, apesar de, legalmente, o ser. E se for daqueles cidadãos do Espaço Schengen que ficam o tempo que querem, ainda mais gritante se torna. Ao mesmo tempo, quem vai cobrar esta malfadada taxa aos milhares de autocaravanistas que se encontram no Algarve todos os anos, com destaque para a atual época do frio? É que estes cidadãos representam milhares de noites de estadia incobráveis, já que não passam nenhuma noite em alojamentos legalizados. Ou seja, turistas de baixo valor acrescentado para o destino Algarve são beneficiados pela própria natureza das circunstâncias. Injusto. Também há que ver a questão do cidadão residente alojado em unidades hoteleiras. Confuso? Não. Basta pensarmos nas milhares de dormidas anuais de funcionários públicos ou trabalhadores privados de fora da região que vêm ao Algarve a trabalho ou por outro motivo não turístico. Além do Algarvio de Aljezur ou de Alcoutim que vai dormir uma noite num alojamento em Faro devido a uma consulta matinal de especialidade no hospital local. Injusto. Finalmente, para não alongar muito os exemplos, que dizer da fórmula de cobrança? Só vai recolher e entregar a taxa o empresário honesto e cumpridor que paga tudo só por respirar. Os eternos prevaricadores que já fogem de outros impostos e taxas (de certeza que ainda existem) também vão conseguir fugir deste tributo. Duplamente injusto. Em suma, é uma taxa de estadia, não é paga por todos e acaba por ser paga também por quem não deveria ter de fazê-lo. Ao mesmo tempo, faz muita confusão pensar que concelhos como Monchique, Alcoutim ou S. Brás, só para citar alguns, alinham nisto. A sério? Têm estes concelhos tantas dormidas ao ponto de querer afastar as pessoas? Concelhos existem nesta região que têm visitantes só em passeio, situação que não corresponde a nenhuma dormida. Cruel.

Por outro lado, há que desmontar a tese de que se trata só de “mais um euro ou dois”, algo que não impacta as contas de ninguém. Isso é como começa… mas não sabemos como acaba. Lisboa é o primeiro exemplo. Ainda agora introduziu a taxa mas já está a aumentar o seu valor. O mesmo ocorre um pouco por todo o lado. Tempos houve em que Amesterdão só cobrava uns míseros euros por dia. Hoje, nos bairros do centro velho da cidade a taxa já subiu para 7% do valor total da dormida. Sim, leu bem, não há engano. Quem quiser pagar bem menos, vá dormir para alojamentos da periferia. E assim, não se sabe como estas coisas acabam. Na Nova Zelândia foram ao absurdo: introduziram a taxa para todos, exceto para os vizinhos Australianos, os quais são dos principais emissores de turistas. Estranho? É o que acontece quando se abre a caixa de pandora.

Como se toda esta argumentação não bastasse, vale a pena refletir tal como fizeram “think tanks” da Malásia, que criticaram abertamente a taxa mesmo sabendo que se trata de um país pobre cujo Estado necessita de receitas. Dado que a taxa está a ser “vendida” como algo que vai “compensar” os efeitos da pressão turística, ela nada mais é do que mais uma “taxa do pecado”. Para quem não conhece, este conceito até é antigo, tendo surgido a propósito dos impostos especiais sobre o tabaco, as bebidas alcoólicas, sobre produtos derivados de petróleo, sobre itens açucarados, para não falar de outros tributos ambientais, etc… a filosofia é a mesma. Quem peca mais, paga mais. Neste caso, o “pecaminoso” é o turista que tem de pagar por consumir as nossas infraestruturas, os nossos recursos, tal como o fumador paga mais por, garantidamente, exaurir mais recursos dos serviços públicos de Saúde. Ora, como já vimos, se esse argumento ainda poderá ter alguma validade (duvidosa) em certos centros urbanos do mundo, nada disso se pode aplicar ao Algarve. Nem no mais delirante pensamento. Se não forem os turistas a “consumir os nossos recursos e infraestruturas”, a quem é que eles se destinam? A meia-dúzia de idosos (somos uma população envelhecida) e uma dúzia de funcionários do Estado? Poderá haver melhor exemplo do que aquilo que se passa no mês de Janeiro? Um Algarve semi-moribundo, parado, desesperado à espera de turistas. Uma população desocupada ou num esquema de emigração de curto prazo. O que seria hoje o Algarve sem esses “gastadores dos nossos recursos e infraestruturas”? Os antigos diziam e bem: nunca mordas a mão que te dá de comer!

Poderíamos ir mais além, mas não é necessário, pois outros já apresentaram diferentes argumentos. Por isto e muito mais, no nosso caso regional, há que dizer com todas as letras: não à taxa de estadia mascarada de taxa turística no Algarve!

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