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Propina zero: resolve como slogan, não resolve o problema

Propina zero: resolve como slogan, não resolve o problema

João Campos, Secretário-Geral da JSD Algarve

No dia 6 de setembro, na Academia Socialista, António Costa trouxe para a agenda política temas que afetam os jovens, como foi exemplo a medida de devolução das propinas por cada ano de trabalho em Portugal, correspondente a 697 euros.

Rapidamente, leu-se alguns jovens da Juventude Socialista afirmar que tinham acabado as propinas, liderados pelo seu Presidente que afirmou no Twitter “A propina acabou em Portugal. Por cada ano de trabalho, um ano de propina devolvido. Espalhem a notícia!”. Ora, sabemos bem que devolver propinas não é Propina Zero. Não é porque esta medida implica ter o dinheiro para a pagar no início, portanto, ter liquidez, facto que é muito mais relevante para garantir acesso ao Ensino Superior comparativamente a a posteriori sermos presenteados com um dinheirinho extra. Dá jeito, mas dar jeito sabe a pouco em eficácia de políticas públicas neste tema tão relevante. Quem não conseguia ir para o Ensino Superior ou tinha de fazer grandes sacrifícios para o fazer não ficou melhor, e essa devia ser a métrica de análise da medida.

No entanto, vale a pena discutir: se eventualmente António Costa tivesse mesmo anunciado a Propina Zero, seria esta medida boa?

Durante o meu percurso na faculdade em Lisboa, vindo do nosso Algarve, acompanhei várias vezes o debate da Propina Zero que se fazia sentir, sobretudo no contexto do associativismo académico. Acompanhei as descidas nas propinas nos Governos da Geringonça, seguidos de grandes declarações de vitórias políticas, enquanto ao mesmo tempo acompanhava o aumento do preço da habitação nas cidades universitárias um pouco por todo o País. Mas também acompanhava a contínua sangria de jovens do ensino pré-universitário a irem do ensino público para o ensino privado, ajudando a ferir o ensino público como espaço promotor de elevador social e de encontro de várias classes sociais e origens, ou também enquanto acompanhava alunos de secundário, ciclo e primária a terem a sua aprendizagem prejudicada pela pandemia e sem terem sido devidamente acompanhados na recuperação dessa mesma aprendizagem, uma vez volvido o martírio de saúde pública que vivemos.

Políticas públicas é sempre sobre escolhas. Esta verdade taxativa devia seguir mais vezes os decisores públicos e na educação ainda mais.

O que leva hoje um jovem a não conseguir estudar no Ensino Universitário não são os 70 euros/mês em 10 meses de faculdade. Os pequenos heróis que, não tendo esse dinheiro, conseguem romper um Ensino pré-universitário que ainda tem muito para fazer em termos de elevador social, são, em boa medida, já apoiados por bolsas. Essas bolsas podem ser maiores, mais alargadas, facilitado o acesso em termos burocráticos e de antecipação dos valores. Toda essa discussão faz sentido ter-se e acredito haver amplo consenso social e dos decisores públicos para tal. São esses mecanismos de bolsas que fazem jus ao modelo de Estado Social que temos, e bem: quem não tem tanto é que tem direito a apoio. À partida os filhos de CEOs espalhados pelos bons ares condicionados de Lisboa não precisam da Propina Zero.

Portanto, o que falha? O que falha é um quarto em Lisboa custar, pelo menos 300 ou 350 euros, como mínimo dos mínimos. O que falha é haver edifícios públicos abandonados em diversas cidades universitárias deste País que podiam ser residências universitárias e ainda não são. Serão os 70 euros de propina que fazem mossa perto do que se paga de habitação, deslocações, material escolar e alimentação?

Mas o problema vai bem além disto, e que por motivos de espaço não conseguirei desenvolver muito aqui. O acesso ao Ensino Superior começa na educação pré-escolar e no desenvolvimento da criança até chegar aos 18 anos. Muitos daqueles que podem e devem ser ajudados financeiramente para fazer um Curso Superior são os que, infelizmente, partem muito de trás e que muitas vezes acabam por nem chegar ao Ensino Superior. O trabalho de um Estado Social oleado passa pela redução das desigualdades na escolaridade obrigatória. Alunos com limitações do ponto de vista da pobreza, da estabilidade e condições da sua habitação, ou simplesmente da proveniência de agregados familiares menos despertos para a importância da escola, mantêm ciclos em que quem tem mais dificuldades em casa não tem as ferramentas iguais para elevar os seus níveis de rendimento através de melhor formação. O investimento no acesso ao Ensino Superior começa em pré-escolares universais, escolas públicas com diversidade de origem e classes sociais ou na universalização do acesso à saúde mental nas escolas com muito mais psicólogos escolares do que os que temos hoje. Mas também começa na introdução de boas métricas de avaliação, seleção e valorização dos professores – fator comprovadamente mais determinante do sucesso de um aluno -, como na reformulação de programas que deem liberdade e tempo às escolas. Este investimento deve passar ainda por um maior esforço em oferecer mais aulas de apoio e de recuperação de aprendizagens, onde quem não tem possibilidade possa aprender e ser incentivado a continuar a estudar, uma vez que, como sabemos, quem tem possibilidade consegue optar por explicações particulares, ficando sempre um passo à frente.

Falar de Acesso ao Ensino Superior é, no curto-prazo, falar de acesso à habitação e nos eventuais melhoramentos ao sistema de bolsas. E, no longo-prazo, é falar da educação de forma holística, da creche ao 12º ano. A Propina Zero, apesar de caber num slogan, resolve muito pouco. Ou talvez pior: resolve zero, não custando zero.

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