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O silêncio dos Gato Fedorento na derrocada de Sócrates

O silêncio dos Gato Fedorento na derrocada de Sócrates

Diz-se, por vezes, que o humor é a última trincheira da liberdade. Que a sátira é a forma mais limpa e eficaz de resistência contra os abusos do poder. Que o riso pode desarmar tiranias e mostrar, numa simples piada, o que outros ocultam em discursos pomposos. Mas esta ideia só faz sentido quando o humor é verdadeiramente livre — quando não se vê preso a interesses, conveniências ou dependências políticas.

Os Gato Fedorento foram, durante anos, uma voz única no panorama português. O seu humor político não era apenas uma questão de rir; era uma forma de fiscalizar o poder, sobretudo no tempo de José Sócrates. De forma inteligente e subtil, punham em causa os discursos oficiais, desmontavam as pretensões e denunciavam as incoerências de quem governava. O seu riso tinha, por isso, uma função cívica: o de chamar a atenção para aquilo que estava mal e que se tentava esconder.

Mas em 2011, quando Sócrates começava a ver o seu governo a ruir e o país a entrar numa crise profunda, algo mudou. Os Gato Fedorento deixaram a SIC — canal onde ainda lançavam, de forma medida, as suas farpas ao primeiro-ministro — para aceitar um convite de Zeinal Bava, então líder da Portugal Telecom, para um projecto na Meo.

Não foi uma mudança banal. Foi, em muitos sentidos, uma retirada do espaço público crítico. Zeinal Bava, que presidia à Meo, uma empresa pública gerida com o dinheiro dos contribuintes e sob a tutela do mesmo Governo em colapso, tomou a decisão de os afastar da televisão generalista e do seu horário de maior visibilidade, para um espaço mais controlado, menos exposto.

Este movimento teve consequências políticas graves. Ao retirar do espaço público uma das vozes mais relevantes de crítica a Sócrates, facilitou-se a governação de um poder cada vez mais fragilizado e menos escrutinado. O humor, que deveria funcionar como um controlo democrático, silenciou-se precisamente quando mais era necessário.

Enquanto contribuinte, não posso deixar de perguntar-me: terá sido esta a melhor aplicação do meu dinheiro? Será aceitável que os impostos dos portugueses tenham servido para tirar do debate público um grupo que ajudava a fiscalizar o poder? E, enquanto isso, Sócrates continuava a gastar milhões em parcerias público-privadas duvidosas, em estudos para o TGV e em aeroportos que nunca passaram de projectos.

Hoje, quando a sátira se apressa a apontar o dedo aos novos alvos — da direita radical ao populismo — pergunto: onde esteve a crítica quando o poder estava com Sócrates? Por que razão não houve coragem para abordar as questões que então pesavam sobre o Governo?

O silêncio dos Gato Fedorento na derrocada de Sócrates não foi um lapso, uma distração. Foi uma escolha consciente pois ainda tinham caído no espírito atual de serem "fortes com os fracos", na altura não perseguiam Gonçalo da Câmara Pereira, Joana Amaral Dias e afins... Esta opção de acordarem com Zeinal Bava a sua ausência do espaço público, afastou uma voz essencial da fiscalização política, trocando-a pelo conforto e segurança de um projecto pago com dinheiros públicos. E o país, que tanto riu com eles, ficou sem ninguém a rir por ele.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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