Artigo de Opinião de JOSÉ ALBERTO BAPTISTA
“A liberdade nas cidades depende da capacidade para derrotar o caos que geram” (Cidades Livres). Quando Teseu saiu de Atenas para se dirigir a Cnossos, em Creta, para eliminar o Minotauro que introduzira o caos nas relações políticas entre atenienses e minoicos, com a sua voracidade assassina, o seu gesto passou a fazer parte da mitologia urbana. Vencido e derrotado o grande touro, com a cumplicidade amorosa de Ariane, Teseu regressou a casa, deixando, ingrato, na solidão de Naxos, a princesa cúmplice e levou ao desespero suicida o pai, por esquecimento em mudar a cor das velas. Da solução de um caos político gerou um caos familiar e
urbano. Os mitos clássicos juntam-se às narrativas mesopotâmicas e bíblicas para podermos compreender os tempos que vivemos. No fundo, e sempre, a humanidade cresce, mas sempre sobre o húmus da sua natureza própria. Como as cidades e como os povoados. Como as religiões e como as políticas. Como a vida e como a morte. No centro de tudo, mas conquistado a pulso, a sangue, a pregos, a expulsões, em suma, ao caos, está o nervo da vida: a liberdade e o espaço para a sua expressão. Por norma, seria a cidade o espaço ideal para que a liberdade de cada um e de todos se pudesse manifestar. Mas, o que limita, e limitará sem
pre, a liberdade nas cidades será a capacidade, ou não, que os seus cidadãos, os seus governantes e as suas políticas terão para derrotar o caos que nelas se vai gerando, ano a ano, dia a dia, com a especulação habitacional, a desigualdade de riqueza, a abstenção da solidariedade, o fascínio pelo imediato, a incúria ambiental. Na nossa cidade, muitos destes sintomas são também manifestos, obrigando a gestão municipal a um esforço redobrado para que nenhum destes fenómenos possa tutelar o poder do caos. Não é fácil, até pelas limitações jurídicas ou administrativas do sistema democrático em vigor, que a governação possa responder com equidade, entre o cidadão e a economia, entre o direito do habitante e a voracidade do espaço construído, entre a serenidade urbana e o agigantar do ruído, entre o empedrado e o verde, entre a lisura e a indisciplina. O mês de Março, o primeiro mês do ano antes do calendário juliano, era o mês em que se iniciavam as campanhas militares. Findara a hibernação aquartelada, começavam as campanhas militares. Marte era o senhor do mês. Para nós, no nosso calendário, é um mês de especial relevância em várias áreas do exercício da liberdade. Celebramos o dia mundial da Mulher – a que já nos referimos e narrámos em anos anteriores- , a que não podemos deixar de associar a imagem de uma Ariane abandonada; para os crentes, é o tempo de reflexão quaresmal; para a Associação Terras do Infante abre-se dia de debate sobre o Mar; para a vitalidade ambiental, chega a Primavera. Para todos, é um mês diferente e livre. É um mês onde o caos é um inimigo a ser derrotado. É um mês em que de Lagos deveremos repetir o que Sophia, em ano centenário, nos lembra. “Lagos, lição de lucidez e liso/ Onde estar vivo se torna mais completo”. Para que possamos dizer o mesmo, necessitamos de compreender que da batalha contra caos depende, não só o nosso quotidiano, como o futuro lucido e liso de Lagos. Introduzir o “eixo do caos” na leitura sobre a liberdade na Cidade pode ser um outro olhar político de lucidez.