(Z1) 2025 - Radar Social

Ministra no desporto enquanto História de Portugal é leiloada?

Ministra no desporto enquanto História de Portugal é leiloada?

O documento é de 29 de dezembro de 1519. D. Manuel I, o Venturoso, concede a Vasco da Gama o título de Conde da Vidigueira. É a consagração de um herói nacional, um navegador feito nobre, símbolo maior da expansão marítima e da construção de um império sem paralelo. Trata-se do primeiro título nobiliárquico atribuído a um navegador português. O documento, em pergaminho, foi agora posto à venda pela leiloeira Sotheby’s, em Nova Iorque. O Estado português não compareceu. Nem uma licitação. Nem uma intenção. Nem um gesto.

Num país que ergue estátuas ao passado e fala de Camões em discursos de ocasião, este silêncio é gritante. A carta régia, avaliada entre 150 mil e 250 mil dólares, não foi considerada prioritária. O Ministério da Cultura, que também tutela a Juventude e o Desporto, olhou para o lado. A ministra, sobrecarregada ou simplesmente distraída, parece mais empenhada em iniciativas desportivas e eventos juvenis do que em cumprir o dever de preservar os alicerces históricos da nação.

A verdade é esta: Vasco da Gama foi leiloado e o Estado não quis saber. Preferiu assistir de longe, emudecido, como se se tratasse de uma curiosidade arqueológica sem importância. Mas não era. Era um documento fundador, um testemunho material da identidade portuguesa, que devia estar sob a guarda da Torre do Tombo ou exposto ao público num museu nacional.

O problema não é só da ministra — é de um Estado que, de legislatura em legislatura, de governação em governação, vai demonstrando um alheamento estrutural da sua própria história. Um país que permite que documentos como este saiam para o mercado global, sem qualquer resistência, é um país que renuncia à sua soberania cultural.

O mais trágico é que tudo isto se passa sem escândalo. A carta não encontrou comprador. Ironia amarga: nem estrangeiros nem portugueses a quiseram. Mas, se um milionário tivesse dado o passo, Portugal teria perdido um dos seus documentos mais simbólicos para sempre. E nem uma voz se teria levantado em protesto.

Cultura, Juventude e Desporto numa só pasta? Talvez fosse já tempo de perguntar se não será demais. Ou, pior, se a Cultura não está a ser sacrificada em nome da visibilidade política das outras duas. Portugal precisa de uma política cultural que não seja apenas protocolar. Precisa de dirigentes que saibam distinguir um festival de verão de uma carta régia. E que tenham a coragem — e a sensibilidade — de agir quando a História chama.

Porque há momentos em que o país se mede não pelas palavras, mas pelos silêncios. E este foi um silêncio que nos diminuiu a todos.

Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor

  • PARTILHAR   

Outras Opiniões

: