Artigo de Opinião de Raúl de Sousa, presidente da Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO).
Mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de deficiência visual ou cegueira evitável, porque não lhes são assegurados os cuidados de saúde da visão necessários para problemas como miopia, glaucoma ou cataratas. Tragicamente, muitas destas pessoas cegam ou adquirem limitações da visão tão significativas que desenvolvem incapacidades como consequência. Portugal é um dos países onde se observa esta situação e não é de estranhar que a causa de incapacidade de maior prevalência seja a visual.
O relatório “Global Report on Assistive Technology”, publicado pela Organização Mundial da Saúde e pela UNICEF, revelou que mais de 2,5 mil milhões de pessoas necessitam de um ou mais produtos assistivos para as suas incapacidades, porém, cerca de mil milhões não tem acesso, nomeadamente nos países menos desenvolvidos.
O mesmo relatório apresenta várias recomendações para melhorar o acesso, nomeadamente: assegurar a disponibilidade, segurança, eficácia e acessibilidade de preços dos produtos de assistência; ampliar, diversificar e melhorar a capacidade da força de trabalho; envolver activamente os utilizadores da tecnologia de assistência e as suas famílias; aumentar a consciência pública e combater o estigma; investir em política baseada em dados e provas; investir na investigação, inovação, e um ecossistema propício; e desenvolver e investir em ambientes favoráveis.
Sem os produtos assistivos, as pessoas podem sofrer exclusão, risco de isolamento, pobreza, e serem forçadas a depender da família, comunidade e governo.
O impacto positivo dos produtos assistivos vai além da melhoria da saúde, bem-estar, participação e inclusão dos utilizadores individuais, uma vez que as famílias e as sociedades também beneficiam. Por exemplo, o alargamento do acesso a produtos assistivos de qualidade e seguros leva à redução dos custos de saúde e bem-estar, tais como admissões hospitalares recorrentes ou benefícios estatais, e promove uma força de trabalho mais produtiva, estimulando indirectamente o crescimento económico.
O acesso à tecnologia assistiva para crianças com deficiência é, frequentemente, o primeiro passo para o desenvolvimento infantil, acesso à educação, participação no desporto e na vida cívica, e preparação para o emprego. As crianças com deficiência têm desafios adicionais devido ao seu crescimento, o que requer ajustes ou substituições frequentes dos seus produtos assistivos.
A deficiência visual afecta as actividades diárias das pessoas, muitas vezes por causas que podem ser prevenidas ou evitáveis.
Além disso, o crescimento dos problemas de visão não é igualitário, sendo mais acentuado e predominante em pessoas que vivem em áreas mais rurais do globo, mulheres, idosos, minorias étnicas e países menos desenvolvidos, como é o caso da África subsariana e do sul asiático, onde as taxas de cegueira são oito vezes superiores às dos países desenvolvidos.
É estimado que o número de pessoas necessitadas de um ou mais produtos assistivos aumente para 3,5 mil milhões até 2050, devido ao envelhecimento da população e ao aumento da prevalência de doenças não transmissíveis em todo o mundo. Com o envelhecimento da população, do qual Portugal é uns casos mais sérios, também o surgimento das doenças se torna mais comum, evidente e problemático, sendo fundamental agir o quanto antes e atuar enquanto a prevenção é ainda uma possibilidade.
O mesmo relatório refere a relevância da resposta do sistema de saúde, através de uma adequada força de trabalho de profissionais de saúde. Neste aspeto indica o papel significativo dos optometristas na prestação dos cuidados para a saúde da visão e no acesso às tecnologias assistivas. É uma recomendação muito útil ao Estado Português dado que, em Portugal, os optometristas ainda não estão integrados no Serviço Nacional de Saúde. É apenas natural que seja nesta área que se experienciam e os maiores constrangimentos de acesso a cuidados de saúde, com lista de espera para consulta hospitalar de oftalmologia de mais de 110 mil pessoas e com tempos de espera até mil dias. Perante esta situação, como pode alguém conseguir a prescrição oftálmica para obter benefício adicional ao complemento solidário ao idoso para aquisição de óculos? Urge reflectir sobre este relatório, mas sobretudo urge intervir e agir de forma a assegurar cuidados de saúde e acesso às tecnologias assistivas a todos, em qualquer momento e em todo o lado.
A Tecnologia e Produtos Assistivos, como óculos e ajudas de baixa visão, e o acesso a cuidados para a saúde da visão atempados, de qualidade e de proximidade, mudam vidas e promovem o desenvolvimento pessoal, nacional e igualdade de oportunidades.
É tempo de agir e investir, para poupar e promover vidas!