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FP-25 e neonazis: os extremos matam sempre

FP-25 e neonazis: os extremos matam sempre

Nas últimas semanas, a comunicação social deu finalmente atenção àquilo que muitos têm tentado denunciar, muitas vezes em voz baixa, por receio de represálias ou rótulos fáceis: o reaparecimento organizado da extrema-direita violenta em Portugal. O grupo P1 – “Portugueses Primeiro” – não é apenas um ajuntamento de descontentes ou patriotas inflamados. É um movimento com traços neofascistas, recrutamento estratégico, linguagem de ódio e, ao que tudo indica, ligações a células internacionais com histórico de violência. As imagens divulgadas, os gritos de ordem, os uniformes simbólicos, tudo remete para as páginas mais negras da história europeia do século XX. E é por isso que deve ser denunciado com clareza e firmeza.

Mas para que essa denúncia seja credível e intelectualmente honesta, há um dever cívico maior: recordar também que Portugal conheceu, já em plena democracia, o outro extremo da violência política. A extrema-esquerda revolucionária, de onde emergiram as FP-25 de Abril, foi responsável por uma das campanhas mais brutais de terrorismo político na nossa história recente. Entre 1980 e 1987, as FP-25 mataram pelo menos 17 pessoas em nome de uma revolução que só existia na cabeça de meia dúzia de iluminados. Entre as vítimas, militares, juízes, polícias e civis. Um bebé de quatro meses, filho de um agente da PSP, morreu nos braços do pai quando uma bomba rebentou junto da sua casa. Não houve erro nem engano: foi um acto deliberado, um recado. E o país reagiu com um silêncio cúmplice, abafado mais tarde com um indulto político que nunca devia ter acontecido. Que a História registe: os responsáveis por estas mortes foram amnistiados. Otelo Saraiva de Carvalho, herói do 25 de Abril, foi também líder de uma organização que matou inocentes e que atacou a democracia.

Nenhum desses mortos teve direito a indignação nacional. Não houve marchas cívicas nem coro de comentadores nas televisões. Em vez disso, houve esquecimento. Em nome do "espírito de Abril", como se matar fosse aceitável quando é feito por quem se diz do lado certo da história. Mas matar é sempre matar. E o Estado de Direito que queremos defender só é legítimo se condenar todos os assassínios, todas as formas de terrorismo, todas as organizações que tentam substituir o voto pelo medo.

Os radicais da direita e da esquerda não são apenas espelhos invertidos: são irmãos siameses. Alimentam-se do mesmo ódio à pluralidade, do mesmo desdém pelas instituições democráticas, da mesma ilusão de pureza ideológica. Uns sonham com um país sem estrangeiros, sem mistura, sem dissidência. Outros sonharam com um país sem capitalistas, sem religião, sem oposição. Todos, sem excepção, estiveram sempre dispostos a matar para impor a sua utopia. E quando olhamos para trás, percebemos que os corpos são os mesmos, que as lágrimas das mães são iguais, que os mortos não perguntam quem os matou – apenas porquê.

É por isso que recuso alinhar em discursos maniqueístas que condenam uns e desculpam outros. A coerência não é neutralidade. É coragem. Coragem para dizer que o P1 é uma ameaça real à nossa democracia, e que deve ser vigiado, desmantelado e politicamente derrotado. Mas também coragem para lembrar que as FP-25 não foram uma fantasia da direita, nem uma nota de rodapé na história do PREC: foram terroristas, com método, com ideologia e com sangue nas mãos. E que quem os protegeu – activamente ou por omissão – ainda deve um pedido de desculpa à democracia portuguesa.

O que me preocupa hoje, enquanto cidadão e historiador, é a facilidade com que se volta a relativizar a violência, consoante o lado do qual ela vem. É o novo revisionismo, travestido de análise sociológica ou de indignação selectiva. Há sempre quem diga que os jovens do P1 são apenas revoltados com a imigração, como outros disseram que os camaradas das FP-25 estavam apenas frustrados com a viragem à direita do país. Há sempre uma tese, uma explicação, uma racionalização para o intolerável. Mas o intolerável não se explica: combate-se.

Portugal não pode voltar a tolerar qualquer forma de milícia, qualquer projecto de insurreição, qualquer ensaio de violência legitimada pelo discurso político. A democracia não é um regime de neutralidade moral – é um regime que afirma valores: liberdade, pluralismo, dignidade da pessoa humana. Quem conspira contra estes valores não merece complacência.

O centro político não pode continuar a ser um lugar de silêncio envergonhado. Tem de ser, mais do que nunca, o espaço da denúncia clara e da defesa intransigente do Estado de Direito. Os extremos não se combatem com tibieza ou com hipocrisia. Combatem-se com verdade. E a verdade é esta: os extremos mataram, matam e matarão sempre. Se os deixarmos.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, historiador e autor

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