Artigo de Opinião JOSÉ ALBERTO BAPTISTA
“Não sei rezar. Nunca gostei de repetir fórmulas...Às vezes, ao tentar dormir, digo coisas a Deus” "Sophia M B Andresen”.
O mês de Abril recebeu nome romano que significa “abrir” e está ligado à mãe dos deuses, Cibele, útero aberto àfertilidade e à vida. É, por isso, um mês misterioso e fundo que apela à memória e ao desconhecido. À alegria e à vida. Por norma, é também nos seus dias que os cristãos festejam a Páscoa, como acontecerá este ano. A metáfora da abertura é uma das mais significativas portas para a descoberta interior e para a aventura exterior do homem. Na abertura da caverna de Platão, as sombras descobrem, ao sair, a luz do dia; no fio de Ariane, desdobrado, encontra Teseu a abertura do labirinto; no quadro testamento da “Saída luminosa”, Vieira da Silva desenha, finalmente, o encontro com o espaço misterioso. Por isso, vamos passar em Abril momentos com a simbologia da abertura. Num tempo que se vai fechando à esperança e à vida, com horizontes pouco claros em relação ao devir, seria bom que relevássemos um “eixo da abertura” para podermos, não só compreender, como participar e alterar, o ambiente familiar, comunitário e social em que estamos envolvidos. A humanidade tem demonstrado, ao longo dos demorados milénios da sua existência, que as suas possibilidades de modelar o presente e o futuro é uma das mais audazes e frutuosas reservas existenciais. Interagindo com o ambiente natural e ambiental, o homem, não só descobriu o fogo e inventou a roda, como começou a encantar poesia, a efabular epopeias, a narrar amores e infortúnios, a transmitir testemunhos de heroicos feitos. E descobriu também a aventura externa quando necessitou de se ligar ao desconhecido, a que Abril não é estranho. Não fosse Cibele, a Grande Mãe… Entre nós, esta aventura para o desconhecido vem percorrendo diversos ou contraditórios estados de alma. A ela foi dado um nome específico que o homem moderno, crítico, iluminista e marcado pela história e pela ciência, com dificuldade se associa, sem que, porventura, deixe de reconhecer que a sua existência continuará a ser uma inevitabilidade histórica. Chamemos religião a essa relação ao desconhecido, para sairmos do labirinto das palavras. Ainda que entre nós não seja visível a estranha luta que se move nos subterrâneos europeus sobre a questão religiosa, sobretudo, depois do êxodo em massa de populações orientais, ela existe e não deixará de ser um foco de estabilidade, ou de instabilidade, política à escala mundial. Por isso, para celebrar Abril, de modo interior e exterior, experimentemos também intrometernos neste espaço de aventura, tomando diálogo com Sophia M B Andresen, poeta que nunca se desligou desse espaço, mas, o habitou à sua maneira livre e inteligente. Não sabendo rezar, como diz na epígrafe deste texto, Sophia, em certas noites, dizia “coisas a Deus”. Porventura, como muitos de nós… Mas, entre essas coisas ditas a sós, deixou-nos algumas em testemunho escrito. Leiamos, tranquilamente, digerindo-as “devagar e gravemente”, como ela o fazia.
" Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa /Não quero possuir a terra, mas ser um com ela./ Com veemência e fúria defendo a fidelidade ao estar terrestre. / Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. / Chegou o tempo da nova aliança com a vida”. Em Abril, mês em que a liberdade voltou à rua e saiu da rua para reentrar nas nossas vidas; em Abril, mês em que as férias pascais juntam famílias e concertam esperanças; em Abril, mês em que o tempo é certo, claro e uno, para “com veemência e fúria defender[mos] a fidelidade ao estar terrestre”; em Abril, mês em que as túlipas se deslumbram com a primavera; neste Abril assim lembremos que também para nós “chegou o tempo da nova aliança com a vida”, seja interior ou exterior, seja real ou de mistério.