Artigo de Opinião de José Miguel Maia, assistente Hospitalar de Medicina Interna / Núcleo de Estudos de Doenças Respiratórias - SPMI/ Assistente Hospitalar de Medicina Intensiva. (Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho)
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) obriga a cuidados especializados de saúde. É, também, um fator causal importante da morbilidade e mortalidade. Não obstante ser prevenível e tratável, a DPOC é um desafio considerável em termos de saúde pública.
A DPOC é causada pela exposição a partículas nocivas inaladas, nomeadamente o fumo do tabaco (principal fator de risco), bem como poeiras e gases. É expectável o seu aumento nas próximas décadas fruto da exposição contínua a estes fatores de risco, bem como pelo envelhecimento da população.
A DPOC é caracterizada por sintomas respiratórios persistentes como dispneia (sensação de falta de ar), tosse e expetoração com demonstração de limitação no débito de ar por alteração espirométrica (relação FEV1/FVC inferior a 0.70 após broncodilatação) devido a alterações nas vias aéreas ou nos alvéolos.
A avaliação do doente com DPOC exige a determinação do nível de limitação do fluxo de ar, do impacto da doença na limitação das atividades de vida diária e no risco de futuras exacerbações (períodos de agravamento agudo dos sintomas respiratórios) por forma a definir um plano adequado de tratamento.
A educação, ou a ação pedagógica, relativamente à doença pelo profissional de saúde é um pilar central na abordagem do doente com DPOC. A cessação tabágica é fundamental. Caso contrário, a persistência deste hábito tem um impacto muito negativo no prognóstico e na progressão da doença.
A terapêutica farmacológica disponível reduz a sintomatologia, a frequência e a gravidade das exacerbações, melhora a qualidade de vida e a tolerância ao esforço. Cada regime terapêutico deve ser personalizado, adequado à sintomatologia, risco de exacerbações, efeitos adversos, comorbilidades, preço, resposta terapêutica e capacidade de autoadministração pelo que a técnica inalatória deve ser sempre avaliada em consulta. O programa de vacinação contra a SARS CoV-2, Influenza e Doença Pneumocócica reduz hospitalizações e mortalidade.
O exercício físico devidamente planeado e de caráter sistemático incluído em programas de Reabilitação Respiratória deve ser promovido por forma a melhorar a sintomatologia respiratória, tolerância ao esforço, ansiedade, depressão e redução de hospitalizações.
Na doença avançada, a oxigenoterapia de longa duração e a ventilação não invasiva melhoram a esperança de vida. É esperada uma interligação atempada com equipas de cuidados paliativos na doença avançada e/ou sintomática para minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida. A avaliação nutricional e planos de alimentação saudável são muito importantes para prevenir, com o evoluir da doença, perdas ponderais e má nutrição, uma vez que são conhecidos os seus impactos na força muscular/capacidade de ventilação. Estes dois últimos fatores estão associados, também, à melhoria da qualidade de vida destes doentes.
A DPOC coexiste, frequentemente, com outras doenças crónicas (comorbilidades) que têm um impacto significativo no curso da doença e no seu prognóstico. A presença destas comorbilidades não deve alterar o tratamento da DPOC e devem ser tratadas independentemente da DPOC. Nos doentes com DPOC é esperada a presença de problemas de natureza cardiovascular uma vez que partilham um risco comum como o tabagismo. A neoplasia do pulmão é frequentemente diagnosticada na DPOC pelo que a prevenção primária e secundária, bem como a deteção precoce, são importantes para melhorar a sobrevida. A osteoporose, a ansiedade e a depressão são muitas vezes subdiagnosticadas e estão associadas a pior qualidade de vida e prognóstico. O refluxo gastro-esofágico está relacionado com o aumento do risco de exacerbações. É também conhecido o seu efeito negativo na qualidade de vida.
A DPOC deve fazer parte de um plano de cuidados de multimorbilidades cujo foco tem de ser dirigido para a sua identificação precoce, otimização de tratamento e minimização de riscos da polimedicação para melhorar a qualidade de vida, minimizar as hospitalizações e a mortalidade.
É nesta perspetiva mais abrangente, para além do pulmão, que se deve pautar a abordagem da Medicina Interna ao doente portador de DPOC.