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Dos presentes e de quem os traz

Dos presentes e de quem os traz

Quando os presentes não são aceites, continuam a pertencer a quem os traz” (sabedoria oriental)

Artigo de Opinião de José Alberto Baptista

O desporto tem coisas interessantes e inesperadas. Para além da água mais escura que as suas pontes veem muitas vezes passar, de quando em vez surge um areal de claridade.

Foi assim que, recentemente, depois de mais uma manifestação de incivilidade e de agressão verbal, - o que é cada vez mais crescente nos recintos desportivos -, um dos agredidos encontrou consolo em um conto oriental. Vamos trazê-lo, por inteiro, ao nosso texto.

“- Se alguém se aproxima de ti com um presente e tu o não aceitas, a quem ele pertence? – pergunta o samurai.

- A quem pensou oferecê-lo – respondeu um dos discípulos.

- Pois, o mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos – diz o mestre. Quando os presentes não são aceites, continuam a pertencer a quem os traz.”

Como sempre, a sabedoria oriental é um presente que o mundo deveria aceitar, sobretudo, em momentos em que a História parece descompensada e os eixos da vida descentrados.

Como o são os momentos que vivemos. No último texto, abordámos a metamorfose iniqua da palavra, quando a palavra deixa de ser a figuração da realidade. Desde esse dia, o nome da peste de que falávamos assumiu um nome claro e nítido: a palavra amorfa de populismo deu lugar ao cru substantivo do fascismo.

Hoje, já sem qualquer receio ou preconceito, esta palavra  - substantivo anda em todos as penas e  periódicos e engravida a opinião de muitos que até aqui dela se escondiam.

Ainda não há muito, quando abríamos um livro que abordava esta matéria, sentíamo-nos compelidos a alguma prudência; não é que a prudência se não deva manter, porque os fenómenos políticos nunca se reproduzem da mesma maneira. Como os vírus, eles também evoluem e se modificam, sem deixarem de ser vírus e, quase sempre, mais resistentes.

Contudo, mais que prudência, hoje necessitamos de mais reflexão e de mais preocupação.

Hoje, torna-se mais claro o aviso do livro “O eterno retorno do fascismo”( Rob Riemen): “ O fascismo estará sempre presente no corpo da democracia eleitoral. Negar este facto ou dar outro nome ao bacilo do fascismo não nos tornará resistentes a ele…”.  

Nós sabemos que neste cantinho ocidental  o bacilo não tem condições para se reproduzir e, assim, inquinar a seiva colectiva; e, contudo, o que sabemos nós do que medra no subsolo dos húmus cívicos e culturais de um povo, quando este povo começa a descrer da democracia?

As redes sociais, com as suas falsas criações, têm servido de cavalos de Tróia para invadir espaços públicos democráticos, tendo responsabilidades claras em eleições presidenciais de alguns dos mais importantes países do mundo, como os Estados Unidos e agora o Brasil, causando graves danos nas configurações democráticas desses espaços. As eleições brasileiras tornaram-se um eco explosivo dessa situação.

Quando tal acontece, esse tempo começa a não ser o da democracia; é o tempo da mentira pura e fria. Perde-se, assim, o equilíbrio do jogo democrático. E é contra  esse tempo da mentira que se pronunciou, recentemente, M. Albright: “O fascismo prospera quando as pessoas estão convencidas de que toda a gente mente…"

Como evitar, então, que esse tempo se amplie e contamine a nossa vida? Usando, doravante, as armas e os métodos para onde o conto oriental nos remete: deixar os presentes nas mãos de quem os traz. Não podemos abrir as mãos aos seus mensageiros, nem a nada que fira o amor pela vida e o que esse amor representa de pessoal e colectivo.  O bacilo mortal do fascismo combate-se, essencialmente, pela atenção pública e pela prevenção social.

Não basta clamar que basta de racismo, de xenofobia, de exclusão; é necessário não aceitar o “presente” público da mentira, sobretudo enviados pelos canais de comunicação, nem ouvir aqueles que, pela inveja, pela raiva ou pelo insulto, se convertem em hospedeiros dessa mentira.

Que os governos da Cidade saibam, com a sabedoria democrática, reconhecer em tempo os sintomas doentios que possam vir a afectar a vida cívica e cultural da nossa comunidade. Sobretudo, quando enfeitados em carros de oferendas.

E que todos nós acreditemos que “quando os presentes não são aceites, continuam a pertencer a quem os traz”. Se tal acreditarmos, o bacilo do fascismo não passará!

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