De onde apareceu a expressão “saber coisas do arco da velha”?

Há expressões que parecem atravessar o tempo guiadas por uma luz antiga, como se fossem pequenas bênçãos escondidas na língua. “Saber coisas do arco da velha” é uma dessas expressões que, mesmo repetida sem pensar, ainda carrega um rasto do sagrado. Quem a ouve imagina logo histórias tão fabulosas que roçam o impossível, mas talvez esse impossível seja justamente o espaço onde Deus sempre se revelou ao longo dos séculos.
O “arco da velha” não nasceu do acaso. É o arco-íris de Noé, o sinal luminoso que Deus deixou suspenso no céu depois do Dilúvio, como promessa de que nunca mais destruiria a Terra. A Bíblia diz que Deus colocou o arco como aliança eterna entre Ele e a humanidade, uma recordação visível da Sua fidelidade. O povo, com o seu génio para transformar o divino em quotidiano, começou a chamar-lhe o “arco do velho Noé”, mais tarde “arco da velha”. E assim a expressão passou da Escritura para a fala, carregando consigo um eco desse pacto primordial.
Com o tempo, “saber coisas do arco da velha” tornou-se sinónimo de conhecer histórias tão extraordinárias que parecem tiradas de tempos em que Deus andava mais perto, quando os milagres eram sinais quase diários e o mundo ainda estava a aprender a obedecer à voz do Criador. São relatos que cheiram a mistério, a intervenção divina, a maravilhas que nenhum racionalismo consegue conter. Histórias que ninguém garante serem factuais, mas que todos sentem como possíveis, porque a fé reconhece bem aquilo que ultrapassa a simples lógica humana.
Mesmo hoje, num tempo saturado de explicações e desconfianças, continuamos a usar a expressão para classificar tudo o que rompe com o natural. Seja a coincidência improvável que alguém lê como providência, seja o episódio inexplicável que parece lembrar-nos que o mundo não é apenas matéria e cálculo. O “arco da velha” permanece como fronteira entre o visível e o invisível, entre aquilo que é do homem e aquilo que talvez seja de Deus.
No fundo, a expressão sobrevive porque carrega uma saudade espiritual: a saudade de um tempo em que o ser humano reconhecia mais facilmente o divino na vida diária, quando cada fenómeno natural podia ser sinal, lição ou aviso. Saber “coisas do arco da velha” é, de certa forma, admitir que ainda acreditamos no prodígio, no mistério, no sopro de Deus que atravessa a história e o coração humano.
E talvez seja essa a razão mais profunda da sua persistência. Todos nós, de quando em quando, precisamos de uma história do arco da velha para recordar que viver não é apenas explicar. É também confiar, agradecer e reconhecer que há muito mais no mundo do que aquilo que os olhos conseguem ver.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor


