Artigo de Opinião de José Presa, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF).
Estamos a chegar à quadra festiva mais aguardada do ano e, com as celebrações, vêm os excessos. A tradição manda que o copo de vinho esteja presente na mesa dos portugueses e os hábitos de consumo de álcool traduzem-se em números alarmantes: Portugal é o país onde o consumo de álcool diário é mais frequente, segundo as estatísticas do Eurostat.
Além destes números preocupantes, o abuso do consumo de álcool traduz-se diretamente em três tipos de lesões hepáticas que, por norma, se manifestam na seguinte ordem:
- Esteatose hepática alcoólica – patologia comummente conhecida como fígado gordo e que resulta da acumulação de gordura no fígado;
- Hepatite alcoólica – patologia onde existe a inflamação do fígado;
- Cirrose alcoólica – patologia onde a estrutura interna do fígado é danificada devido à substituição do tecido hepático normal por tecido cicatricial (fibrose). Este novo tecido não realiza qualquer função e, portanto, o fígado deixa de funcionar normalmente, ficando mais pequeno. Contrariamente às condições anteriores, a cirrose não é reversível e culmina, em alguns casos, no cancro do fígado.
Os primeiros sintomas relacionados à doença hepática associada ao álcool costumam aparecer por volta dos 30 ou 40 anos, em casos em que são ingeridas grandes quantidades de álcool regularmente. Estes têm tendência a piorar, passando pela perda de apetite, náuseas e vómitos, febre, icterícia e fadiga, aumentando para sintomas mais graves como o sangramento no trato digestivo, deterioração do funcionamento do cérebro, insuficiência renal e hepática. No entanto, existe quem apresente doença hepática alcoólica e seja assintomático mesmo em fases avançadas.
Além do consumo prolongado de álcool, existem outros fatores de risco associados a estas patologias. Um deles é o género, uma vez que as pessoas do sexo feminino apresentam maior risco de contrair doença hepática. Os fatores genéticos que influenciam a metabolização do álcool conferem um determinado risco, assim como a obesidade, diabetes e outras formas da doença hepática, nomeadamente as hepatites virais, e a subnutrição.
Quando as complicações são graves (relacionadas com a cirrose), o prognóstico tende a ser menos positivo. Aponta-se que só metade das pessoas com estas complicações permanecem vivas após cinco anos. Contudo, a abstinência do álcool, em conjunto com o tratamento de sintomas e complicações da lesão hepática, pode ajudar a diminuir ou a reverter a descompensação. Em casos mais graves terá de se pensar no transplante de fígado.
Nesta quadra festiva recomendamos que esteja particularmente atento ao consumo de álcool. Quebrar os comportamentos de risco e acompanhar quem mais precisa faz toda a diferença na saúde do seio familiar. Não tenha vergonha de falar do tópico com o seu médico ou com entidades competentes para tal. A luta contra o álcool não se combate sozinha.