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Os velhos de Lagos

Os velhos de Lagos

Reportagem Exclusiva na edição impressa de Julho do jornal Correio de Lagos, por Pedro Taquelim. 

Um dia já foi uma cidade rural, onde os campos eram mais extensos do que a cidade. Mesmo com as mudanças que o turismo trouxe a Lagos, há quem se esqueça de tempos idos que os lacobrigenses fazem questão de recordar com saudade e alegria.

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Os nativos chamam-lhe “a cidade dos estrangeiros”. Quem o diz é Joaquim Ramos, 80 anos, ao misturar o açúcar na sua bica matinal na mais famosa pastelaria de Lagos.

Nem sempre foi assim, afirmam prontamente os mais antigos a observar o passado, com uma expressão de desgosto misturada com tristeza, causada pela mudança que Lagos enfrentou. “Era uma cidade cheia de vida! Além muralhas só havia campo. A época das amendoeiras era a mais bonita do ano! Agora quase não temos amendoeiras. Só há prédios! Eles [autarcas], por causa do dinheiro, esqueceram-se que não estamos na América. Estamos em Lagos”, diz Albertina Santos enquanto apanha sol e mira uma paisagem azul com pequenos brilhos que parecem diamantes num dos bancos da larga Avenida dos Descobrimentos.

O que hoje avaliam como belo pelo mundo fora, antigamente era ainda mais belo. Não só a cidade, mas o modo de viver. Madalena Pinto, 85 anos, recorda a sua juventude. De cabelos ao vento e mãos nos bolsos, de forma calma e serena diz-nos – “Dizem que na época de Salazar não havia liberdade. Há-de de ser verdade para aqueles que se metiam em problemas, mas para quem estava fora deles era tudo diferente. Éramos pessoas felizes, se fosse preciso não havia manteiga na mesa, mas éramos felizes com pouco. Não é como agora que todos têm de ter tudo. As pessoas da minha época eram livres. Saltávamos, corríamos, íamos à apanha da amora e dos figos nos campos que eram privados. Hoje, esses campos estão cobertos de prédios. Era tudo mais divertido e saudável. Hoje os jovens vêm para esta rua (rua Cândido Reis, mais conhecida como a rua do cinema) embebedar-se e fumar. O antigamente era um bom sítio para os jovens viverem. Tinham uma vida mais sã, na minha opinião seriam mais felizes. Eu fui muito feliz”.

A mudança de paradigma da cidade deixa os anciões desgostosos. O que muitos conheceram como uma cidade rural onde os campos faziam fronteira com o mar, hoje deparam-se com uma cidade completamente mudada. “Onde era campo agora são prédios, a mudança não se fez apenas a níveis físicos, tudo mudou, desde as pessoas até ao tamanho da cidade”, afirmam os que assistiram à transformação.

As lembranças que Lagos deixou aos mais idosos, consegue transformar o olhar neutro num olhar de saudade rapidamente. “Éramos um povo muito pobre, todos trabalhavam nas fábricas, durante a semana toda, era muito cansativo. O que nos animava era que todos os Domingos vestíamos a nossa melhor roupa para irmos à missa e depois íamos dar um passeio à beira mar, onde hoje é a avenida. Antes, onde está a estátua do Infante Dom Henrique era onde batia o mar. Havia um passeio que ia dar à praia, onde os homens pescavam. Quando fizeram a avenida ficou muito bonita, mas também fizeram o favor de estragar”, diz Maria da Luz, enquanto estende a sua roupa no estendal de forma apressada para poder, rapidamente, pôr o almoço ao lume. Ainda com camisa de dormir revela que será pataniscas de bacalhau com arroz de tomate.

Além muralhas, observa-se as ervas que antes faziam parte de um campo fértil e cheio de árvores a tentar perfurar as calçadas com toda a força. Hoje, ao lado dessas ervas existem prédios que são considerados “monstruosos” por aqueles que nunca tinham presenciado uma realidade diferente daquela que resiste dentro das muralhas que delimitam o centro histórico.

O que os antigos consideram monstruoso, não passa de prédios de três andares. “Podiam ter expandido a cidade, como fizeram, mas sem prédios. Podiam ter preservado a essência da nossa cidade, os campos, as árvores, tudo o que dava mais vida a Lagos. Mas pronto, já está, não podemos fazer nada para mudar o que já está feito” desabafa a dona Eulália ao pegar em algumas frutas e leguminosas na mercearia perto de casa.

Sentado a apreciar os que passam, Armindo Santos, 87 anos, de Leiria, recorda também a cidade Algarvia quando se mudou para o Sul de Portugal. Ao ser questionado se sentia saudades, baixou a cabeça e disse que sim. Com um sorriso na boca, revela-se da mesma opinião de todos os outros “velhos de Lagos”. “Já não é o que era, quando comprei a minha casa era tudo campo à volta. Hoje, tenho vizinhos que conseguem ver como é a minha casa por dentro”.

A calmaria da Lagos no passado devia-se também ao facto de ser uma cidade de ofícios. “Havia muitos pedreiros, carpinteiros, modistas, sapateiros, havia de tudo um pouco. Era uma terra pouco instruída, com poucos hábitos de cafés. Havia muitas tabernas, onde os homens iam se embebedar. Havia muitas indústrias também, a da corticeira, das amêndoas, dos figos. Era uma terra muito diferente da que é hoje, só em Lagos havia umas onze fábricas de conserva, onde eu trabalhei, a minha mãe, a minha avó, os meus tios. Todos trabalharam lá” conta Angelina Costa de 84 anos de forma atrapalhada por não saber se devia ou não tirar a máscara cirúrgica para falar.

Nesta altura de São João, os mais antigos gostam de reviver o tempo em que as festas eram bem aproveitadas. Em contraste com a inatividade e falta de movimento nas ruas de Lagos e ausência de sentimento de festa (não só devido ao desleixo dos jovens, mas também devido à pandemia), os mais velhos recordam a animação e alegria que era comum nesta época, revela Madalena Pinto. “Ninguém se queixava, os pobres podiam não ter nada na mesa, mas era uma alegria quando chegavam as épocas festivas. A Feira Franca por exemplo, era uma animação, hoje aquilo é alguma coisa? É triste ver como as coisas evoluíram. Quem me diria a mim ter de usar uma coisa destas (a máscara) na cara” conta-nos enquanto observa a rua de forma tranquila e pacata encostada à fachada da sua loja.

Nem sempre o turismo foi um ponto chave na descrição de Lagos, o “estrangeirismo” só mais recentemente se começou a desenvolver, afirma um senhor que assistiu a toda a mudança. “O turismo era muito pouco, isso só se começou a expandir a partir do 25 de Abril. Sempre houve praias, as pessoas iam para a praia, mas pouco, hoje não, hoje até vão de inverno”.

Após fazer um convite para almoçar, Cesaltina Lopes, de 89 anos, narra histórias que as muralhas de Lagos também são testemunhas. Enquanto corta uma cebola para fazer o refogado do arroz que irá acompanhar a carne assada que já estava devidamente condimentada no forno, conta-nos sobre a sua pensão - “Quando eu tinha a minha pensão, eram poucos aqueles que iam almoçar ao restaurante. Não havia esse hábito, só depois do 25 de Abril é que as pessoas começaram a socializar mais, ir a restaurantes, cafés. Estrangeiros havia alguns, poucos. Eram mais estrangeiros que tinham uma ligação com a cidade, como negócios ou outra coisa qualquer, do que turistas que vinham conhecer Lagos. Afinal, eram só fábricas. Tinha alguns estrangeiros na pensão, mas era tudo muito controlado. Tínhamos de dizer à polícia as horas exatas que os indivíduos entravam e saiam da pensão.”

Cesaltina tira os olhos do tacho que já libertava o cheiro e o som do estrugido da cebola e declara não ter tido medo “Era tudo muito controlado, mas havia mais segurança. Os meus filhos podiam sair à rua e eu não ficava preocupada, sabia que estavam em segurança. O único medo que tinha era de alguma coisa lhes faltar”.

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Pedro Silva Taquelim, tem 19 anos e é natural de Lagos. É estudante de Ciências da Comunicação - 1º ano - Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)

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