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Orfélia: A dupla que homenageou Lagos num poema musical aberto, do Sul para o mundo

Orfélia: A dupla que homenageou Lagos num poema musical aberto, do Sul para o mundo

Anaïs Thinon, 25 anos, e Filipe Mattos, 37 anos, são quem dá voz a "Orfélia", um projecto musical de inspiração luso-brasileira e que tem vindo a solidificar-se em 2020. Após vencer o concurso "Inéditos Vodafone 2020", a dupla de artistas prestou já entrevistas a variadas plataformas de difusão, onde pôde partilhar um pouco do seu percurso.

Como não podia deixar de ser, e porque o Correio de Lagos procura sempre dar palco a novas promessas locais, criou-se a oportunidade de estar à conversa com ambos.

Marta Ferreira

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«São como Lagos que agitam e inundam o meu coração», esta é a frase que encerra a canção em destaque, lançada em Julho do presente ano; como quem desabafa um poema. Filmado na própria cidade de Lagos por entre praias e arribas de tons quentes, o clipe é protagonizado por vários outros artistas naturais do concelho — o perfeito convergir de forças e de áreas, que confere um toque ainda mais peculiar a toda a cena. É também o vídeoclipe com mais visualizações de entre os restantes lançamentos da banda no Youtube, tendo sido fortemente aclamado nas redes sociais aquando da sua estreia. Confira abaixo as perguntas que fizemos aos dois jovens talentos!

Correio de Lagos — Em primeiro lugar, seria interessante conhecer as pessoas por trás do projecto "Orfélia". Quem é o Filipe? Quem é a Anaïs?

Anaís — Eu sou a Anaïs, natural desta terra linda que é Lagos, apaixonada por quase todas as artes que conhecemos! Fui estudante de piano clássico e canto na A.M.L, Dança, Artes Visuais, Teatro e posteriormente formei-me em Artes Performativas em Lisboa. Por toda a minha formação, interesso-me pelo cruzamento das várias artes e escrevo música com isso em mente. Gosto de trazer para a música imagens, tanto na procura de sons que ouvimos na vida como de sons únicos que trazem toda uma carga emocional.

Filipe — Sou do Brasil, de uma cidade com uma forte influência portuguesa chamada Florianópolis. Sempre fui ligado às Artes, mas no Brasil os meus projectos eram sempre paralelos e raramente autorais. Sempre gostei de me colocar em situações desconhecidas, acho que é uma boa maneira de conhecer o mundo e a si, então a minha mudança para a Europa – estou aqui há 4 anos – reuniu esses dois anseios: o de criar e o de descobrir.

CL — Quando e por que é que decidiram dar este passo na música juntos?

A — Pouco depois de me ter mudado para Berlim, conheci o Filipe e começámos a escrever música juntos sem ainda pensar num projecto. A experiência fluída fez-me ter vontade de dar terra e pensar de forma construtiva na música. A intuição canta alto e senti que Orfélia era a voz de todas estas emoções que borbulhavam dentro de mim. Então, porque não saltar?

F — Nos conhecemos em um palco, tocando, e desde esse momento sentimos uma sintonia. Com o tempo percebemos que também tínhamos desejos em comum, visões parecidas sobre como poderíamos criar artisticamente um projecto. O que veio depois foi esse salto, como a Anaïs fala. Um salto de fé, por assim dizer. E que valeu muito a pena dar.

CL — De onde surgiu o nome «Orfélia»? Foi algo natural ou uma ideia já fermentada?

A — Tudo é fermentação. Na terra, no pão que nutre a alma. A figura mítica de Ofélia conecta-me a todo um drama interno que sinto como mulher no mundo. A minha música “Ofélia do Mar” conta esse sentimento. Orfeu é a figura que, com a música, traz a sua amada dos infernos. A junção das duas figuras diz muito da minha história com o Filipe. Não digo mais do que: a música foi luz num momento sombrio da minha vida.

F — Só posso concordar.

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Anaïs Thinon: «Fiquei muito feliz pelo reconhecimento numa música que significa tanto para mim»

CL — O single "Lagos" foi um dos vencedores do concurso "Inéditos Vodafone". Parabéns por isso! Como digeriram a vitória? Esperavam conquistar tal distinção?

A — Eu fui apanhada de surpresa pela notícia. Fiquei muito feliz pelo reconhecimento numa música que significa tanto para mim. Vão já ver o vídeoclipe que fizemos para a música "Lagos"!

F — Por esses acasos do destino, ligaram-me para falar que éramos um dos vencedores quando estava a entrar em um comboio rumo a Lagos. Não posso dizer que esperávamos vencer, mas essa música é especial para nós, como disse a Anaïs. Isso alimentava a esperança. E essa "vitória" alimentou os sonhos. O projecto ainda é bastante novo, então tal reconhecimento nos deu um incentivo enorme para continuar a criar e trabalhar.

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«Senti um carinho sincero das pessoas sobre a música e o vídeoclipe», revela Filipe Matos

CL — Falemos um pouco da canção "Lagos". É seguro dizer que a cidade possui finalmente um hino dedicado a si! Como foi a reacção por parte dos lacobrigenses — e não só — face ao single?

A — Fico honrada por referires a música dessa maneira. A reacção vai dependendo de onde é ouvida. Em concertos, houve lágrimas nos olhos. Com o vídeoclipe, foi um sentimento de representação emocional da cidade, pois vê-se toda a dinâmica da criança que cresceu perto do mar. O single foi recebido como uma música que traz leveza ao espírito.

F — Senti um carinho sincero das pessoas sobre a música e o vídeoclipe. Nossa ideia era representar em som e imagem um sentimento de viver em uma cidade como Lagos e acho que os Lacobrigenses reconheceram esse sentimento. Uma demonstração disso veio da própria Câmara de Lagos, que aceitou apoiar-nos na produção do nosso primeiro álbum. Em um momento tão frágil para os artistas, ter esse suporte da cidade, dos seus moradores, é inspirador. Só podemos agradecer com a mesma intensidade.

CL — Quais as vossas maiores fontes de inspiração enquanto artistas?

A — Sou influenciada pela música tradicional que se reinventa e pelos clássicos imortais. Nomes como Chico Buarque, Amália Rodrigues, Jacques Brel, Pink Floyd, Criatura, Moses Sumney… a lista é longa.

F — Existe uma corrente sobre a identidade brasileira que entende que a cultura do meu país é baseada na mistura das mais diferentes raízes. Sou filho dessa linha de pensamento. Já me senti igualmente inspirado por Beatles e por João Gilberto. Acho até que isso transparece na nossa música, não ficamos presos a um estilo. Mas não há dúvidas de que a minha formação como artista da música foi especialmente influenciada pelos tropicalistas: Caetano, Gil, Gal, Tom Zé, Mutantes e outros.

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«Apenas sei que quero fazer música verdadeira, do coração» – Anaïs Thinon

CL — Numa era tão saturada pelo comercial, consideram difícil sobressair? Qual é a chave para o sucesso de um ponto de vista musical?

A — Ainda estou a tentar perceber como responder a essa pergunta. Apenas sei que quero fazer música verdadeira, do coração.

F — Acho que o momento é mais complexo do que isso. A indústria da música sofreu uma queda sem precedentes por causa dos avanços tecnológicos, e nesse sentido as grandes editoras estão muito menos dispostas a arriscar. Para elas, a música trata-se mais sobre números do que sobre notas, afinal. Mas os mesmos avanços tecnológicos permitiram que um artista pudesse criar com qualidade e lançar sem depender dessas empresas. Então também estamos saturados de música inovadora, interessante. O problema é que as pessoas não compram mais discos e as editoras ainda têm muito poder sobre distribuição e Marketing. Ou seja, os artistas conseguem produzir mas têm dificuldade em atingir o público. Então parece-me que hoje o músico é obrigado a ser, ao mesmo tempo, artista e editora. Precisa pensar nas notas e nos números. Agir assim não é chave do sucesso e é difícil para o espírito artístico, mas ao menos pode levar a uma vida digna.

CL — Existem já planos para o futuro, algum novo projecto na calha...?

A — Estamos em período de gestação de um álbum já há muito tempo, a chegar à reta final. Quando as dores começarem a fazer-se sentir, chamaremos a família lacobrigense para este parto musical.

F — Reunimos uma banda de pessoas maravilhosas que está nos ajudando a criar esse álbum. Esperamos lançar em algum momento do ano que vem. Recentemente lançámos um single novo, chamado "Baba Marta". O tema tem participação do Tiago Saga, da banda Time for T, que também é do Algarve, aliás. É uma canção em inglês, pois foi composta a partir de dois poemas de uma poeta americana chamada Demi Anter.

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«Um país sem cultura é um país sem identidade» – Filipe Mattos

CL — Como sabemos, a pandemia afectou profissionalmente todo o sector da cultura, inclusive o meio musical, pela suspensão de tours, concertos, etc. Sentiram esta mudança? Se sim, de que forma?

A — A realidade dos músicos que sobrevivem de concertos ao vivo é muito complicada, mas penso que todos nós estamos a reinventar-nos nestes tempos anormais. Esperamos que a espera não se sinta eterna. Quero muito partilhar a nossa música ao vivo.

F — A mudança é infelizmente e agressivamente perceptível. Tivemos concertos cancelados, ideias de eventos adiadas. Financeiramente, está tudo muito frágil para todos. Nós, "Orfélia", tivemos sorte porque recebemos esse abraço dos lacobrigenses e o apoio da Câmara, mas parece-me que se estas restrições, que são mais severas para o sector cultural, precisam continuar por muito tempo, o Estado precisa começar a propor formas objectivas de apoiar os artistas, técnicos e profissionais da Cultura. Caso não, quem vai sofrer as sequelas mais graves é a Arte e, por consequência, Portugal. Um país sem cultura é um país sem identidade.

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Procure por "Orfélia" e siga o trabalho destes jovens artistas nas suas mais variadas plataformas online, nomeadamente no Spotify e Youtube.

Site e redes sociais: www.orfeliacanta.com facebook.com/orfeliacanta Instagram: @orfeliacanta.

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In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº362 · DEZEMBRO 2020

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