Martyn Dias, atleta medalhado nos Campeonatos do Mundo Júnior e Sénior e galardoado Campeão Nacional e Campeão Europeu Júnior de Patinagem de Velocidade por múltiplas vezes anunciou, recentemente, a retoma da práctica desportiva de Patinagem de Velocidade, via redes sociais. O vídeo que acompanha a novidade conta já com mais de 12 mil visualizações e inúmeros votos de apoio ao jovem.
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«A minha motivação passa por saber que já estive "em altos voos". (...) Tenho a capacidade para lá voltar. (...) Visualizo uma "victory lap" com o meu filho ao colo»
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Martyn Dias, de 28 anos, agora pai, viu-se obrigado a suspender a actividade desportiva de Patinagem, algo a que se dedicou por 21 anos, três deles profissionalmente, por falta de apoio financeiro: «Os apoios não eram suficientes para manter a minha carreira como patinador profissional, e resultado disso foi o meu abandono completo do cenário da modalidade», desvenda, na sua publicação de Facebook, à data com 431 "gostos", 308 partilhas e 41 comentários.
Além disso, a chegada do seu primeiro "filhote" Jayden, como carinhosamente apelida, influenciou também a decisão de abandonar o cenário desportivo, a fim de poder dedicar o seu tempo e foco à parentalidade: «Eu sabia que o meu caminho ainda era longo. Mas a vida é assim. Temos de escolher, e para o bem da minha família, tive de abandonar», contou. Mas a fome de vencer falou mais alto e, por incrível que pareça, foi em 2020, ano fortemente marcado pelo sentimento de instabilidade, que Martyn encontrou a sua maior certeza: voltar a calçar os patins, agora mais centrado e mais determinado que nunca.
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O regresso à ribalta
Correio de Lagos – Anunciaste, recentemente, o teu regresso à Patinagem nas redes sociais. Qual foi o feedback?
Martyn Dias – Foi incrível. Senti um calor enorme de todas as pessoas que se aperceberam do meu regresso. Com a ajuda de um videógrafo, Nuno Battaglia, e do meu irmão, Jake, conseguimos produzir um vídeo espectacular, cujo o objectivo era criar um impacto. Não só pelo regresso em si, mas pela divulgação das imagens da nossa linda cidade, a qual represento. Fui contactado através das redes sociais por ex-companheiros e colegas, não só de treino, mas também de clubes e selecções rivais. Senti um enorme apoio de toda a comunidade em geral e principalmente da minha família. Agradeço a todos os que partilharam o vídeo, que chegou a ser visto mais de 12 mil vezes nas redes sociais!
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Um sonho em stand-by, mas por pouco: «Foi um abandono agridoce. (...) A falta de apoios, principalmente financeiros, forçaram-me a desistir»
CL – Foste atleta de Patinagem de Velocidade durante 21 anos. Como foi ter de abandonar a modalidade por motivos de força maior? Sentiste que estavas a largar um sonho?
MD – Foi um abandono agridoce. Era consciente do meu valor e das minhas capacidades na modalidade e sabia ainda que existiam muitos títulos para conquistar. Mas a falta de apoios, principalmente financeiros, forçaram-me a desistir. O lado doce desta fase foi a chegada do nosso bebé, Jayden. As minhas responsabilidades e prioridades automaticamente mudaram. Encontrei o meu primeiro emprego [fora da Patinagem], e vivi "a vida normal", a trabalhar oito ou mais horas por dia para sustentar os meus.
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«2020 foi um ano de loucos, e eu alinhei. Estou de volta!»
CL – O que despoletou este regresso aos patins num ano tão atípico como 2020?
MD – Ao encontrar um equilíbrio entre a dedicação à familia e o trabalho, que se tornou por conta própria, senti que existia algo por preencher, e esse vazio era a fome de voltar a ser campeão! Fome de voltar aos treinos, fome de voltar a uma condição física de atleta; de voltar à Patinagem, onde brilhei nos mais altos palcos da modalidade. Era aí que queria regressar. 2020 foi um ano de loucos, e eu alinhei. Estou de volta!
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Metas e desafios: «Vou ter que trabalhar o dobro de todos os meus adversários e sofrer o triplo de que eles sofrem»
CL – Quais os próximos passos nesta nova etapa de "recomeço"?
MD – Os próximos passos são a reorganização da minha agenda: conjugar o meu trabalho com tempo para a família e para os treinos, e seguir um plano de alimentação e condição física, de modo a chegar ao nível outrora vivido. Para me tornar mais forte, vou ter que trabalhar o dobro de todos os meus adversários e sofrer o triplo de que eles sofrem.
CL – Onde treinas de momento? Já retomaste a prática a 100%? Como tem sido este reingresso?
MD – Neste momento, os treinos de patins acontecem na pista da Escola Secundária Julio Dantas e no Autódromo Internacional do Algarve. O treino de condição física é no ginásio Face2Face by Fabio Elviro; treinos de natação nas nossas belas praias de Lagos; corrida à volta da cidade.
CL – Como é um dia normal na tua vida?
MD – Face às alterações no meu dia-a-dia sem treinos, incluí-los foi um desafio. A vontade de voltar era maior, e adoptei esta nova rotina com uma rigorosa auto-disciplina. O dia começa às 7:00 horas: procuro fazer um activação física e mental, e por isso dedico dez minutos a um workout rápido, seguido de dez minutos de leitura e, por fim, dez minutos de reflexão. Com o pequeno-almoço tomado e os miúdos preparados, vou deixá-los nas respectivas escolas e então ataco as minhas responsabilidades. Despacho as piscinas até ao fim da manhã e, até à hora do almoço, incluo o meu treino planeado para a manhã. Regresso a casa, dou uma ajuda à minha companheira, que neste momento criou uma empresa no campo da Pastelaria (Instagram: @__com_docura__). Ajudo nas compras, confecção e entregas. Às 17:00 horas vou buscar o nosso filhote à escola, incluo uma horinha de brincadeira com ele e sigo para a pista, seja para treinar ou dar treinos. Termino o meu dia por volta das 22:00 horas, ainda com uns minutos para ler, dar atenção à minha companheira e descansar.
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Apoio emocional, panorama actual da Patinagem e perspectivas de futuro
CL – Como vês a realidade da Patinagem profissional em Portugal?
MD – A Patinagem em Portugal está a ir no caminho certo. Noto que, durante a minha ausência, posições novas na Federação foram tomadas e que levaram esta modalidade a um novo patamar. Estou ansioso pelo futuro e pelo que estes orgãos, nos quais eu confio, trarão à Patinagem.
CL – Sentes que a tua família te apoia? Onde/a quem vais buscar motivação para continuar?
MD – Sinto, sem dúvida. Apoiam-me e acreditam em mim incondicionalmente. Eles sabem o quão importante é este regresso. A minha motivação passa por saber que já estive "em altos voos", e saber também que, mesmo parado durante mais de dois anos, tenho a capacidade para lá voltar. E passa também pelo sabor da superação. Sei que sou capaz. Visualizo uma "victory lap" [cerimónia de fim de circuito, com o vencedor da corrida] com o meu filho ao colo. Visualizo, após uma vitória, olhar nos olhos das minhas filhas e companheira e sentir gratidão por me permitirem voltar a voar.
CL – Dirias que competir profissionalmente é um constante investimento de tempo e dinheiro?
MD – Sim, sem dúvida. Os treinos são rigorosos e diários, e o material não é barato. O apoio de sponsors [patrocínios] é fundamental para manter um atleta nas mais de quinze provas internacionais, sem contar com as provas nacionais. São horas em viagem e desgate em equipamento.
CL – Como tem corrido a busca por patrocínios?
MD – Um dos objectivos do vídeo que lancei foi impactar principalmente a comunidade local, que sempre me recebeu bem. As pessoas da cidade sabem o quão importante a Patinagem foi – e é – na minha vida. Tive uma resposta incrível de empreededores locais, com os quais já estou a negociar condições.
CL – Qual a esperança média de carreira de um atleta profissional de Patinagem de Velocidade?
MD – Tudo depende do atleta. Com uma boa condição física, motivação e bom suporte financeiro, tudo é possível. Existem atletas de alta competição na modalidade com vitórias nos mundias aos 32 anos.
CL – Onde te imaginas daqui a dez anos?
MD – Em termos profissionais, vejo-me em Lagos, com um negócio próprio bem estabelecido. Quero manter ligação com a patinagem e apostar na formação de novos campeões. Quero, principalmente, ajudar a criar uma base onde os atletas não tenham de abandonar forçosamente a modalidade por questões financeiras. Vai dar trabalho, mas tudo é possível.
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Agradecimentos
CL – Existe algum apelo ou agradecimento especial que queiras fazer...?
MD – Apelo, principalmente, aos mais novos, mas também as todas as pessoas que caminham na nossa terra, para nunca deixarem de sonhar. Tornem os vossos sonhos em objectivos. Nunca tenham medo de falhar, aliás, falhar muitas vezes só prova que estamos a tentar. Não desistam!
Deixo um agradecimento a todos os meus treinadores, dirigentes e colegas de treino envolvidos no meu percurso desportivo, em especial ao Professor Paulo Batista, pelo incansável input [estímulo] de conhecimento e evolução da modalidade no nosso país. Ao meu pai, não só por nunca ter desistido de acreditar em mim, mas também por ser rigoroso na minha assiduidade, pontualidade e assistência aos treinos quando era mais novo, nos dias em que só me apetecia faltar. Ao amor incondicional da minha mãe, por nunca me ter tirado a Patinagem quando chegava a casa cheio de feridas. Aos meus irmãos, por estarem sempre presentes a motivar-me, mesmo quando os resultados não eram os esperados. Agora, no presente, à minha companheira e aos nossos três filhos, por todos os dias me motivarem e darem o apoio necessário para voltar à elite da Patinagem de Velocidade.
Um agradecimento também a todos aqueles que nunca deixaram de acreditar em mim, em especial ao Diogo Marreiros, por reacender a chama da competição, a qual nunca deixou de fazer parte da minha essência.
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Marta Ferreira
In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº363 · JANEIRO 2021