Grande Entrevista Exclusiva do Jornal Correio de Lagos | Edição 344 · JUNHO 2019 |
O professor de Filosofia na Universidade Católica recentemente doutorado e que também é Escritor
Quem é Luís Lóia?
Luís Miguel Lóia Reis, nasceu em Lagos, a 8 de Novembro de 1975 e vive em Lisboa desde 1992. Casado, tem uma filha, Beatriz Rodrigues Santos Lóia Reis, com 17 anos, que está a frequentar o 12.º Ano de escolaridade no Colégio Manuel Bernardes, em Lisboa. Percurso Académico:1992-1997: Licenciatura em Filosofia; 19971998: Profissionalização no Ensino de Filosofia; 2000-2001: Pós-graduação em Educação para a Cidadania; 2002-2006: Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais;2019: Doutoramento em Filosofia. Profissional: 2001-2009: Assessor Científico do Centro de Estudos de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa. Desde 2006: Professor no Colégio Manuel Bernardes. Desde 2009: Professor na Universidade Católica Portuguesa Desportivo: Integrei ainda o GDAL. Equipei de verde em cima de umas mesas de sala de aula na rua Lançarote de Freitas, indo a correr até ao campo do Hotel Golfinho onde fiz o meu primeiro treino como “Ponta de Lança”. Jogador e sócio fundador do Centro de Educação Desportiva de Lagos, desde os Bâmbis até aos Iniciados, passei para o Esperança de Lagos em Juvenil. Em 1992, já em Lisboa, treinei com a equipa de juniores do Sporting Club de Portugal, equipa onde pontificavam nomes como Nuno Luís (Sporting e Académica; pai do atual jogador da equipa principal, Miguel Luís), o guarda-redes Paulo Morais (Sporting e Braga), o médio Diogo Matos (Sporting, Estoril, Alverca). No final desse ano optei definitivamente pela carreira académica e abandonei o desporto.
Luís Lóía, o puto que aos quatro anos partia da Avenida dos Descobrimentos onde morava rumo aos Campinhos (Polivalentes Municipais Porta da Vila) para acompanhar os treinos dos dois irmãos que jogavam futebol. Enquanto decorria a preparação das equipas, Luís não parava quieto um segundo. Brincava com a bola ou quando não tinha oportunidade de estar em campo, gastava as energias trepando as redes das vedações dos dois recintos. Situação que acontecia frequentemente, perante os olhares preocupados do funcionário municipal, dos irmãos e dos treinadores, que tinham de estar sempre atentos, pois ele empoleirava-se nas redes e subia até ao topo. Ora bem, nesta fase, ainda antes de entrar para a escola primária o miúdo ganhou a alcunha do “homem-aranha”. Com influência familiar, depressa começou a jogar futebol, integrando os vários escalões de formação no Centro de Lagos e Esperança de Lagos. No seu curto mas frutuoso percurso futebolístico deixou a sua marca de qualidade.
Em Infantis, participou no lote das oito equipas finalistas na Taça Nacional de futebol 11, numa série constituída pelo Sporting, Vitória de Setúbal, União de Almeirim e Centro de Lagos. A sua aptidão alargou horizontes, tendo representado a selecção do Algarve em Infantis e Iniciados. Era um “craque”, na posição de médio, um estratega dotado de técnica apurada, criatividade e prometia alcançar outros voos. Porém, o Luís Lóia optou pela formação académica e depois de ter frequentado a escola Gil Eanes, foi completar o 12º ano na Universidade Católica, que passou a ser a sua nova casa. Na verdade, foi nesta grande referência do ensino que se licenciou em Filosofia. Posteriormente enveredou pela carreira profissional de professor, e já recentemente doutorou-se. A Tese de Doutoramento em Filosofia, levou por título «Philosophia e Philomythia em Eudoro de Sousa”. Foi aprovada com distinção e louvor por unanimidade do júri. Este ilustre lacobrigense, para além de leccionar, participa em inúmeros e prestigiados colóquios, seminários e outros eventos ao lado de grandes vultos portugueses e internacionais ligados à educação e à cultura. Contudo, amante de desafios, eis que se tornou escritor.
Em 4 de Abril de 2019 fez a apresentação de duas obras sobre Eudoro de Sousa, no Espaço Magnólia, em Lisboa, com apresentação a cargo dos Professores Doutores António Braz Teixeira e Samuel Dimas. Uma iniciativa que o CL acompanhou atentamente, e decidiu publicar uma reportagem com o professor e escritor Luís Lóia, que embora radicado em Lisboa, desde os 16 anos, não perde a oportunidade de visitar Lagos e a sua Mãe, no verão e noutras épocas festivas, regressar à sua casa na Avenida dos Descobrimentos, de frente para a galardoada Marina e mesmo ao lado do novo Hotel Avenida. Correio de Lagos – Aquela fase de criança vestindo a pele de “homem-aranha”, sempre a trepar, já seria um sinal do notável percurso de Luís Lóia no desporto, na formação académica e como escritor?
Luís Lóia – Tive a sorte de ter nascido numa cidade linda. Naquele tempo ainda tranquila e segura, que permitia brincar com os amigos da “rua” a qualquer hora do dia ou da noite. Jogar à bola na rua, contra a “cadeia”, a “meia-praia” ou o “bairro da abrótea”, por exemplo; jogar ao “bota-fora”, aos fins de semana, nos Campinhos; fazer corridas de caricas; saltar a fogueira e percorrer os mastros dos diferentes bairros, em altura de Santos; ir à “horta” roubar fruta; saltar o muro do Hotel de Lagos para ir para a piscina; descer as ruas em carrinhos de rolamentos; andar de andilhas; jogar aos polícias e aos ladrões em nada menos do que todo o perímetro da cidade; jogar aos castelos com os berlindes; criar bichos de seda… Foi uma infância plena de felicidade que nos permitia sentir como se fossemos super-heróis.
Nas corridas de caricas eu era o Nelson Piquet, mas a trepar os muros do Hotel de Lagos ou as redes dos Campinhos, nada melhor do que o Homem-Aranha. Refletindo sobre a pergunta, talvez fosse um sinal da necessidade que sempre tive de ver as coisas por outros ângulos que não os mais evidentes. Talvez fosse um sinal dessa curiosidade que leva à descoberta ou apenas o desejo permanente de superação de limites, tal como vemos nos super-heróis. Não foi, de certeza, pelo gosto do vermelho ou do azul que são as cores do fato do Homem-Aranha.
CL – Tem boas recordações da sua juventude, antes de seguir viagem para a Universidade Católica?
LL – Tenho. Curiosamente, não da escola, das aulas ou dos professores, apesar de ter sido sempre um bom aluno, com muitas faltas, mas com boas notas. As saudades são, sobretudo, do futebol, das amizades e da noite. Já adolescente os grandes apelos, nessa altura, passaram a ser o desporto e a diversão com os amigos; o que nem sempre era fácil de conciliar porque a vida noturna em Lagos, nessa altura, tinha tentações difíceis de resistir. Creio, no entanto, que consegui manter um bom equilíbrio entre a responsabilidade na escola e no desporto e um certo excesso na diversão, e esse equilíbrio foi conseguido não só pela educação que recebi dos meus Pais e Irmãos, mas também porque integrava um clube desportivo que era, verdadeiramente, fiel ao seu nome de Centro de Educação Desportiva. Hoje acredito que muitas gerações de lacobrigenses são devedoras, em termos pessoais, daquilo que o desporto lacobrigense lhes proporcionou, seja no Futebol, no Hóquei, no Ténis de Mesa ou no Andebol, que, para muitos, era uma autêntica segunda família. Era também o desporto o polo catalisador das amizades, do convívio, do crescer juntos com o orgulho de ser lacobrigense. Não sei se hoje ainda assim o é, mas sou levado a acreditar que não.
CL – Como decorreu a sua adaptação na capital e já agora pode relatar-nos os distintos momentos que vivenciou, até à licenciatura?
LL – Entrei na Universidade Católica aos 16 anos, no ano propedêutico, também chamado ano zero. Fui viver com um primo meu, que acabara de entrar no Curso de Física, para o Laranjeiro, na margem sul, e todos os dias atravessava o rio e Lisboa para chegar à Universidade. Esse primeiro ano foi muito marcante. Era bastante novo, inexperiente e tive que aprender a viver “sozinho” muito depressa, mas guiava-me pelo binómio liberdade-responsabilidade que sempre me foi transmitido pelos meus Pais. Foi também nesse primeiro ano que treinei nos juniores do Sporting, cumprindo um sonho que tinha desde menino. Outro momento marcante foi a entrada para o primeiro ano do curso. Supostamente estava na Católica para cursar Direito, mas no ano propedêutico apaixonei-me pela Filosofia. À revelia dos meus Pais, matriculei-me no curso de Filosofia e lá veio de novo o binómio liberdade-responsabilidade: perante o desagrado de minha Mãe, o meu Pai disse-me que se era isso que queria, pois que o fizesse, mas que não poderia chumbar qualquer ano e findo o curso teria que assumir as consequências da difícil entrada no mercado de trabalho. No final tudo acabou por correr bem, quer para minha satisfação quer para a de meus Pais. Outro marco importante no âmbito da licenciatura foi o de não ter optado por nenhuma das vias de especialização e ter concluído, ao mesmo tempo, quer a via científica quer a via de ensino. Obrigou a cursar mais cadeiras por semestre, mas permitiu que entrasse em estágio de profissionalização no ensino já como licenciado em Filosofia. Naturalmente, ter concluído a licenciatura com uma média alta foi também significativo e portante para a abertura de outros horizontes dentro da própria Universidade. Sob outro ponto de vista, as amizades que se contruíram nessa altura e que ainda perduram; a descoberta da “vida cultural e recreativa” da Capital; a bênção das fitas pelo Cardeal Patriarca Dom António Ribeiro e a entrega do Diploma de Licenciatura pelo Cardeal Patriarca Dom José Policarpo, fixaram-se em momentos que ficam guardados com muito carinho.
CL – Ser professor é uma paixão e opção, e logo na Católica. Era também um sonho?
LL – Ser professor nunca foi propriamente um sonho. A ambição ou o desejo sempre foi o de conhecer, o de compreender, o de encontrar respostas para questões que me colocava e que, imediatamente, me conduziam a outras questões. A paixão é, sobretudo, pelo estudo, pela investigação, mas a lecionação é também muito estimulante e desafiante, particularmente a nível universitário. Não sou um professor que ensina os alunos, antes procuro proporcionar experiências ou vivências de aprendizagem mútua e, nesse sentido, a sala de aula também satisfaz essa ambição ou desejo de ir mais além, de descobrir, de superar limites, de “trepar” no conhecimento. A escolha da Universidade Católica ficou a dever-se, principalmente, aos seus valores e à reconhecida qualidade do ensino que aí é ministrado, mas o esforço financeiro que lhe é inerente motivou, em dado momento, a ponderação de outras opções. A decisão ficou tomada quando visitei outras universidades antes de me matricular nos exames de acesso ao ensino superior. A Universidade Católica não só tinha o ambiente que eu procurava, mas também uma organização ímpar no acolhimento aos novos alunos. Tive, no entanto, que assumir o compromisso, perante mim, de procurar trabalhar em tempo de férias para mitigar o esforço financeiro que essa escolha acarretava. Foram, no entanto, férias sempre felizes, com trabalho, mas também com muita diversão.
CL – Participa em múltiplos eventos afectos ao ensino e à cultura, desde seminários, colóquios, acções de formação, entre outras actividades. Está sempre disponível, seleciona as iniciativas, afinal como é esta azáfama?
LL – É uma azáfama que faz parte da vida académica. Um professor universitário, pelo menos na Universidade Católica, está em permanente processo de avaliação, não só por parte dos seus alunos e da sua instituição, no que diz respeito á sua atividade letiva, mas também no domínio da investigação que realiza. Os colóquios, seminários, congressos e outros eventos científicos em que participo são ocasiões para apresentar publicamente a investigação realizada. São momentos de avaliação, mas também de escrutínio e de autoavaliação. No início da formação académica não há ainda perfil, maturidade e qualidade para participar em tais eventos científicos, mas, como em qualquer carreira, com esforço e empenho, vai-se evoluindo e os convites vão aparecendo, também como reconhecimento do trabalho realizado, chegando-se ao ponto em que já não é possível responder a todas as solicitações. Então, dirige-se a atenção para aqueles eventos que vão ao encontro dos nossos interesses e objetivos académicos. Para qualquer investigador, em qualquer área, é hoje fundamental apresentar indicadores de produção que, no meu caso, se traduzem em comunicações e publicações de cariz científico.
CL – Sempre na senda dos desafios, como aconteceu esta veia de escritor?
LL – As minhas publicações decorrem da minha atividade de investigador que, por sua vez, está ligada à de professor universitário. Daí que as obras publicadas onde consta o meu nome como autor sejam de natureza diversa. São obras coordenadas por mim ou em que participei na sua coordenação e organização; obras em colaboração com outros autores e obras publicadas a título individual, para além de mais de três dezenas de artigos publicados em revistas científicas ou em livros de atas de encontros científicos. No caso concreto destas duas últimas obras, cujo lançamento acaba de ocorrer no Espaço Magnólia, em Lisboa, na Fnac do Norte Shopping, no Porto, e na Fnac de Faro, elas surgiram da investigação que realizei em torno de Eudoro de Sousa, autor de que me ocupei na minha Tese de Doutoramento. Não sendo ou não correspondendo ao texto da tese que defendi em provas públicas na Universidade do Porto, são textos que merecem ou mereceram interesse editorial por se tratar de um filósofo português de enorme qualidade e originalidade, praticamente desconhecido em Portugal, dado que desenvolveu grande parte da sua atividade reflexiva no Brasil, tendo sido um dos professores fundadores da Universidade de Brasília. Pretende-se, com estas obras, contribuir para suprimir esse desconhecimento. Apesar da obra publicada, não posso ser considerado um escritor no sentido literário do termo. Temo não ter sequer qualidade ou capacidade para me ocupar do texto literário, mas talvez um dia possa fazer algum tipo de tentativa nesse campo. Por agora mantenho-me no ensaio.
CL – A sua família, sobretudo a sua Mãe, certamente está orgulhosa pelo seu notável percurso. Sei que é uma questão sensível, mas não resisto a que comente quão estaria feliz o seu pai diante do sucesso do seu filho que sempre o apoiou convictamente?
LL – O meu Pai sempre foi e continua a ser muito presente na minha vida. Sempre presente em cada etapa, conquista, dificuldade superada ou felicidade vivida. Tenho memória de me ir buscar à escola do Bairro Operário onde estudei na primeira e na segunda classe, assim como tenho memória de me ir buscar aos treinos semanais que acabavam pelas 20h30 e de acompanhar nos jogos de futebol, aos fins de semana, muitas vezes transportando os colegas de equipa em jogos fora, à semelhança de outros Pais, quando o Município nos faltava com o seu apoio ao transporte. Guardo também memórias das frequentes chamadas à escola para que era convocado em virtude de algum comportamento meu menos adequado, mas saía de lá sempre com um sorriso. Naturalmente, muitas outras memórias guardo só para mim, mas sei que está feliz comigo, assim como está feliz com o meu Irmão e com os nossos Filhos, seus Netos. Está feliz, não por causa de qualquer tipo de sucesso ou de reconhecimento que possamos alcançar, mas porque nos deu a liberdade para fazermos as nossas escolhas – até para ser do Benfica, no caso do meu Irmão –, incutindo-nos valores para nos tornarmos bons homens e pessoas felizes com os percursos que traçámos. Como sei que estes eram os seus intentos enquanto Pai, sei que está muito feliz.
CL – Ainda jovem e ambicioso, que outras apostas poderemos esperar de Luís Lóia?
LL – Plantar mais árvores, escrever mais livros, ter mais filhos.
CL – Enquanto lacobrigense de gema, que “mensagem filosófica” deixa aos seus conterrâneos e sobretudo aos jovens?
LL – Que reconheçam a sorte de terem nascido ou viverem numa das cidades mais lindas que se conhece e que cuidem dela; que se deixem espantar com o maravilhoso que existe no mais ínfimo pormenor da realidade; que sejam curiosos para que possam descobrir, por si, o que é, verdadeiramente, o Bem, o Belo e o Bom e que procurem querer ser, sempre e a cada momento, uma melhor pessoa.