Marta Ferreira
Pintura de artista urbano em mural não autorizado estará na origem do descontentamento por parte dos proprietários do edifício em questão. População lacobrigense manifestou o seu apoio ao artista através das redes sociais, nomeadamente, via Instagram e Facebook.
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Notícia em actualização.
O artista local Tarso Silva terá pintado, de livre vontade, uma parede da fachada principal do edifício onde, durante largos anos, funcionou o Clube de Strip "Aplauso" – outrora casa do afamado estabelecimento "Barimbar", que chegou a contar com a presença de ilustres figuras conhecidas do mundo da música, entre elas Jorge Palma, Fernando Girão, Rão Kyao e José Mário Branco. Actualmente, funciona neste local uma instituição de cariz religioso, que realiza doações de caridade junto da população mais necessitada, situação ainda a confirmar com os actuais detentores legais do edifício.
Tarso Silva, 38 anos, brasileiro e actualmente residente em Lagos, recorreu às redes sociais no passado dia 1 de Fevereiro para expôr o sucedido, após ter sido confrontando pelo filho da proprietária deste edifício, sito na Rua Infante de Sagres, aquando da pintura do dito mural. Com vista a esclarecer a situação, Tarso publicou dois vídeos na plataforma Instagram onde, calmamente, salientou que «o edifício já estava deteriorado» e que fez o que fez «de graça, para a cidade e para a comunidade».
Ao que consta – e a julgar pelo letreiro que se vislumbra da calçada –, este icónico edifício encontra-se à venda e aparenta estar bastante deteriorado: toda a fachada frontal e lateral emana um sentimento de desmazelo, cujas paredes albergam símbolos duvidosos, bem como marcas de erosão e sujidade. Face ao exposto, Tarso terá tomado, então, a liberdade de embelezar tal estrutura a fim de, nas suas palavras, «deixar a cidade mas feliz, mais alegre e colorida».
Ao que o CL pôde apurar, e segundo Tarso explicou em declarações ao nosso jornal, «aquela parede faz anos que está do mesmo jeito, deteriorada. Toda a gente sabe». E continuou: «Eu preciso de pintar na rua para as pessoas conhecerem e contratarem o meu trabalho. Então, eu escolhi aquela parede, que não era de ninguém e estava suja». Mais afirmou que tem tido reacções positivas relativamente a outros trabalhos da sua autoria no concelho.
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«O rapaz estava muito alterado»
«Eu achei que ninguém se ia importar visto que aquilo está assim há anos, desde a primeira vez que eu visitei Lagos», reparou. Sobre o desacato, explicou: «O filho do dono apareceu por ali e ligou para a mãe [proprietária do edifício], que é idosa. Ela chegou nervosa, pediram para eu apagar tudo. A senhora foi-se acalmando, conversei com ela, mas o rapaz estava muito alterado». Já pelo final, Tarso desvendou que a proprietária parecia até estar disposta a deixá-lo terminar o trabalho, mas que, no fim das contas, ficou combinado que pintasse aquela zona de branco novamente. «Até pintei um bocado a mais», acrescentou, referindo-se a outros «rabiscos» que continha a parede, os quais fez questão de cobrir também.
No primeiro vídeo acerca do assunto, Tarso mencionou que o parente da proprietária deste prédio lhe riscara a pintura, ainda por concluir. O trabalho artístico em causa leva, geralmente, entre «dois a três dias para ficar pronto. É super detalhado», ainda mais por ser necessário «cobrir o que já estava em baixo», afirmou, referindo-se aos rabiscos e insígnias inscritos nesta parede, que agora surge que nem tela em branco no coração da Rua Infante de Sagres.
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«Os artistas do LAC receberam-me sempre muito bem»
Tarso Silva detém outras obras da sua autoria já espalhadas pela cidade. Inclusive, colaborou com o Laboratório de Actividades Criativas (LAC) em anos anteriores, tendo estabelecido boas ligações com os artistas deste núcleo lacobrigense: «Eu trabalhei no LAC, no ano passado, e resolvi ceder a minha cédula a alguém que utilizasse mais. Os artistas do LAC receberam-me sempre muito bem. Dei lá workshops e já fiz trabalhos através deles, são muito queridos. Gosto muito do Nuno, do Jorge...», contou.
Em matéria de apoios aos artistas desta cidade, Tarso apontou: «Sou uma pessoa muito activa, gosto de pintar todo o dia e conversar com o pessoal. No LAC é sempre mais burocrático para pintar um mural... Se for esperar meses por uma resposta, fica muito complicado para mim». E continuou: «A gente não tem apoio. Só pedimos paredes [à Câmara Municipal] que estejam sujas, degradadas... Fazemos isto sem retorno financeiro, com o nosso material e tintas». O artista ressaltou, também, que iniciativas deste género «podem trazer um benefício maior para a cidade».
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«Jamais viria aqui pintar para denegrir Lagos»
Os vídeos de Instagram partilhados por Tarso em defesa própria alcançaram milhares de visualizações, gerando partilhas e comentários em tom de apreço pelo seu trabalho. Entre as opiniões, pode ler-se: «Lamento muito, mas não desistas. Obrigado por tornares Lagos mais bonita» e «Triste essa ignorância que não reconhece Arte em benefício da comunidade. Obrigada por fazer disso algo público – Arte pertence à rua, não só aos museus».
Segundo o artista, o seu trabalho teve sempre «um feedback muito positivo» entre os munícipes. «É através dele que eu tiro o meu sustento, deixando a minha assinatura», revelou. No segundo vídeo partilhado, Tarso dirigiu-se a todos aqueles que têm enviado «mensagens de carinho» e aproveitou para expressar o seu agradecimento aos lacobrigenses: «Primeiramente, quero agradecer o apoio massivo. (...) Fiquei muito surpreso, (...) adorei as mensagens».
Além disso, adverteu: «Jamais viria aqui pintar para denegrir Lagos. Vim para tentar melhorar, porque realmente estava muito feio. E agora, vai ficar em branco... Provavelmente, alguém vai riscar de novo; mas é assim. (...) Espero poder continuar a fazer o meu trabalho!».
Porém, confessou também ter recebido algumas mensagens mais negativas, nomeadamente, da parte da mulher que acompanhava o filho da proprietária, no momento do desentendimento.
Quando questionado acerca da enchente de partilhas, o pintor mencionou: «Houve uma senhora que fez uma postagem no Facebook e disse que eu estava a beber cerveja, que tinha público em volta. A cerveja foi oferecida por um idoso que estava intrigado com o meu trabalho. (...) Fez questão de me comprar uma cerveja e ainda me oferecer €5. Agradeceu muito, disse que estava bonito e que [o dinheiro] era para significar o meu trabalho».
Adiante, Tarso referiu que uma outra pessoa havia parado, de carro, oferecendo-lhe mais €5 e até o almoço, como gratificação por tal feito. Mais tarde, outro indivíduo, «o Daniel», deu-lhe também €30 «quando já estava a passar a tinta branca, para suportar os custos do material» gasto em vão.
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«Não quero causar discórdia»
«Foi com o coração, eu não quero causar discórdia. Estou aqui em Portugal porque respeito o povo português. Morava em San Diego, na Califórnia... Escolhi Portugal porque gosto e sempre fui bem recebido, já pintei pelo país todo de Norte a Sul. Tenho amigos de todas as condições sociais e também fiz trabalhos para grandes empresários. Isto é uma oportunidade para quem não tem condições de ir a um museu ou galeria de Arte. Jamais quero estragar algum património e procuro sempre informações sobre o local onde estou a pintar. Sei que o prédio tem 400 anos, mas se este local (...) realmente pertence ao património da cidade, então precisa de uma atenção maior. Vamos falar de Lagos enquanto uma referência na street art, onde as pessoas vêm aqui não só para conhecer mas para consumir Arte. Isso fortalece a população local, (...) é uma forma de levar Arte a quem não pode pagar».
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«Pinto há 24 anos. Já pintei em mais de quinze países»
Perante uma situação incómoda como esta, o artista brasileiro observou: «Trabalho há muito tempo com isto [Arte] e pinto há 24 anos. Já pintei em mais de quinze países, inclusive morei nos Estados Unidos da América e na América do Sul; Nova Iorque, Miami, Los Angeles, San Diego... Participei num evento gigantesco para reabilitar um bairro urbano lá, com os maiores grafitters do mundo».
Embora mais prejudicado agora pela pandemia, e à semelhança de tantos outros artistas pelo país fora, Tarso afirma que «a Câmara não suporta financeiramente» este tipo de actividade. «Trabalho a recibos verdes. Apagando este trabalho, que imensa gente poderia ver, eu deixo de ganhar sustento».
Quanto ao que a Arte de rua pode trazer de positivo à cidade, Tarso acredita que o investimento da autarquia nesta vertente poderá resultar no «desenvolvimento» do concelho junto dos turistas: «A arte atrai (...) e isso está comprovado no bairro de que falei, em Miami. Eram só traficantes... Coisa ruim. Mas os artistas começaram a tomar conta desse lugar e agora só tem galerias de Arte, bares, restaurantes... Todo o sítio é pintado, um bairro inteiro; inclusive, até as calçadas, o asfalto... É incrivel!».
Por enquanto, aguarda-se veredicto dos proprietários do edifício em causa, a publicar posteriormente.