Artigo da revista Nova Costa de Oiro em https://www.novacostadeoiro.com/
A Nova Costa de Oiro tem o grato prazer e a honra de publicar em exclusivo algumas memórias de um lacobrigense de 96 anos, compiladas em trabalho de circulação restrita.
Este é um revisitar de Lagos em décadas passadas, de traquinices e tropelias. Mas, e acima de tudo, é um importante registo hisórico, que pode e deve servir para memória futura.
O seu autor é José Francisco Rosa, nascido em Lagos, a 21 de Fevereiro de 1924 e que completou os seus estudos em Lisboa, tendo ingressado no ensino aos 20 anos, como Mestre do Ensino Técnico Profissional.
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A cabra-mocha
…O imprevisto aconteceu, porque ele a cabra incitou, pulou, marrou, ele numa posição crítica ficou e...
O quintal da casa onde vivia possuía um telheiro que servia de redil, para um rebanho de cabras pernoitar depois de regressar à tardinha do pasto. O cabreiro (pastor) deixava-as lá de manhã, antes de sair com o rebanho para o campo, para pastarem, mugia-as e ia levar o leite, que vendia às suas freguesas.
Como o miúdo tinha acesso ao quintal, um dia foi ver as cabras que ainda se encontravam no telheiro e reparou que uma delas não tinha chifres e, aquilo, fez-lhe confusão.
Era uma cabra-mocha e ficou a matutar se aquelas cabras sem chifres também marravam. Interrogava-se lá para com ele… Será que marram?… Ou não marram?… Pensou em experimentar e se o pensou mais depressa fez a experiência.
Dirigiu-se para a cabra e, com as mãos bem abertas, na direcção da cabeça incitando-a, avançando e recuando, tal e qual os forcados nas touradas. Tanto insistiu que o imprevisto aconteceu e… É que a cabra-mocha não foi de modas e, lá para com ela, pensou: queres festa? Então toma lá!…
Empinou-se nas patas traseiras, deu um pulo para a frente e, com a cabeça, atingiu o rapazinho na barriga, sendo este atirado ao ar, caindo de cangalhas, batendo com o cu no chão no interior de uma pequena armação de madeira colocado na parede do prédio (ver ilustração), onde o seu proprietário colocava um cântaro de barro, que enchia de dejectos da fossa para adubar as suas terras de cultura.
Por sinal, nesse dia, o cântaro não se encontrava lá colocado... Bastante combalido com a pancada que a cabra lhe deu, procurava sair do espaço acanhado onde tinha caído, o que a muito custo conseguiu.
Muito dorido, dirigiu-se para sua casa, subindo as escadas das traseiras, convencido já que as cabras-mochas, apesar de não possuírem chifres, também marram. Entrou e, sem dar conhecimento à mãe do que se tinha passado, foi sentar-se na cadeira de verga que se encontrava junto à janela da sala, pois além de estar dorido também estava envergonhado com o sucedido.
Passado algum tempo, já refeito, foi buscar o seu livro de aventuras predilecto: Sandokan, o Tigre da Malásia, de Emilio Salgari. Mas, enquanto lia, a cabra-mocha não lhe saía da cabeça…
José Francisco Rosa (Memória de 1935)