Grande Reportagem Exclusiva na edição impressa de Junho do jornal Correio de Lagos!
Realizador, produtor, cronista, venenoso escorpião, algarvio de gema e «chefe» da Paradoxon Produções
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Curta metragem portuguesa 2Dto vence nos Estados Unidos na competição oficial do Festival de Cinema Trapped Film Festival 2020
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Foi no passado dia 22 de Maio 2020 que a curta metragem portuguesa, friso portuguesa, porque o que se trata é de um filme português e não de um umbigo de vedetismo...a curta metragem 2 Dto foi premiada nos Estados Unidos no Festival de Cinema Trapped Film Festival 2020 com dois prémios, o prémio do público e o prémio dos directores do festival, para melhores realizadores, foram atribuídos a Hernâni Cabral e Pedro Noel e a todos os que estiveram ligados ao filme 2º Dto inclusive a equipa técnica.
Este projecto teve a participação de muitos Algarvios entre os quais Hernâni, Pedro, Tiago Inácio que fez a legendagem em inglês e por isso o filme foi seleccionado nos Estados Unidos, a actriz Ana Oliveira que é professora de Teatro em Faro, a actriz Joana Paz, António Gamboias (direcção de actores), Mário Estevam (técnico de som), André Luís (argumentista) e o Iládio Amado ( Músico) de Vila do Bispo que é o compositor da música.
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Quem é Hernâni Cabral:
Hernâni Duarte Maria Cabral, casado há 7 anos, nasceu em Portimão, mas é acima de tudo algarvio de gema Lacobrigense a 1 de Novembro de 1971 e registado em Lagos, toda a sua família é de Lagos e de Aljezur. Cresceu e frequentou todo o ensino escolar em Lagos e Portimão, sendo um dos muitos artistas oriundos da escola Júlio Dantas.
Com uma formação profissional abrangente concluiu uma licenciatura em património cultural e é funcionário público há 23 anos, exercendo funções para o Ministério da Cultura na área do património e arqueologia. Fundador, dono e realizador na empresa Paradoxon Produções Cinema Independente Algarve Lagos desde 1997; Trabalhou como director do Shortcutz Faro na empresa Other Projects; laborou como director e programador na empresa Pátio de Letras.
Tem uma ampla formação em várias áreas do cinema (argumento, curta-metragem, cinema documental) realizadas no cineclube da Avanca. Escreveu crónicas de cinema para a Dínamo e continua a compor para a revista mutante. Os seus principais «hobbies» são o cinema, música, edição de fotografia e escrita.
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«Senti-me muito orgulhoso por vencer o Festival «TRAPPED». O «2º Dto» foi um filme difícil de fazer pois foi rodado dentro de uma casa e é tudo muito claustrofóbico»
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Correio de Lagos: Como surgiu a paixão pela 7 arte?
Hernâni Cabral: Sendo um pouco autodidacta inicialmente no que diz respeito ao cinema, enquanto jovem via muitos filmes e fazia grandes maratonas em Lisboa, percorrendo várias salas como a biblioteca da Cinemateca, Quarteto, Triplex. Também lia muito sobre a 7 arte e as formações deram-me muito o «background» que precisava. Aprendi muito a ver os filmes de Charlie Chaplin com a minha formação inicial no cinema mudo e a visionar as obras do realizador David Lynch. No meu percurso como cineasta no que diz respeito aos formatos de rodagem, eu comecei a fazer filmes em pelicula (curtas em super 8 mm e 16mm), depois no formato vídeo (Beta Cam, VHS) hoje chamado o formato digital.
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CL: Que impacto tiveram as tuas raízes lacobrigenses e vivências em Lagos na tua visão artística?
HC: Tiveram alguma influência pelo desafio, Lagos em 1997 era uma cidade com pouca actividade cultural e como gostava de cinema motivou-me a incentivar uma série de pessoas para fazer filmes. Realizei o filme «Dissimulados» e lembro-me que fui à “Na Rua produções” (empresa de outdoors Lacobrigense) para fazer o «lettering» da pelicula para o «timeline» da edição. Procurei impulsionar a arte cinematográfica em Lagos com a ajuda de um amigo que trabalhava no Espaço Jovem (onde funcionava o Clube de karaté) e dinamizámos o espaço com uma série de mostras e «workshops» e conseguimos extensões de festivais para Lagos. Depois como tinha alguns conhecimentos, consegui com que acedessem ao pedido de ir a Lagos mostrar os seus trabalhos. Tivemos inúmeros festivais como o videolab Coimbra que passou durante 3 anos em Lagos, festival black and white da Universidade Católica, Racal Clube de Silves que tinha um festival de vídeo e trouxemos uma extensão enquadrada no Faro Capital da Cultura 2005 onde tive em concurso um filme da minha autoria premiado.
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«Aprendi muito a ver os filmes de Charlie Chaplin com a minha formação inicial no cinema mudo e a visionar as obras do realizador David Lynch» «…juntei muitos amigos ligados ao teatro experimental, música, fotografia e encontrávamonos todos num sítio icónico em Lagos, tasca do BA do senhor João, ao pé da polícia. Foi aí que surgiu o projecto Paradoxon Produções…»
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CL: Como surgiu o projecto Algarvio de cinema Paradoxon Produções?
HC: A Paradoxon Produções nasceu em 1997 no Algarve, na cidade de Lagos, numa iniciativa de alguns amigos que partilhavam um profundo gosto pelo cinema. Surgiu de um facto simples, juntei muitos amigos ligados ao teatro experimental, música, fotografia e encontrávamo-nos todos num sítio icónico em Lagos, tasca do BA do senhor João, ao pé da polícia. Foi aí que surgiu o projecto Paradox Produções, em parceria com o meu amigo e cofundador Pedro Noel, implementamos com este grupo de amigos a realização das primeiras produções amadoras. Ao longo destes anos foram entrando e saindo membros, mas a actividade na produção continua a mesma, e também o principal objectivo, o de fazer cinema numa região onde nada existe e a produção cinematográfica é praticamente nula.
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CL: Quais as curtas metragens e obras realizadas mais gratificantes ?
HC: A primeira curta «Dissimulados» foi engraçada pois estávamos a explorar e o actor no segundo dia de rodagem que devia actuar não apareceu, então o rapaz que fazia iluminação teve que fazer de actor, mas só com os pés. Desde o «Dissimulados» houve um filme muito importante para nós, o «Manhã Triste» que ganhou alguns prémios. Foi a curta metragem que mais responsabilidade tivemos em realizar porque é uma adaptação de um conto do escritor de renome português, Urbano Tavares Rodrigues, que já faleceu. Conheci-o em Lisboa, a família, a sua esposa a Ana e o seu filho que na altura era um bebé. Ele foi muito cordial, impecável e não cobrou nada pela cedência dos direitos de autor. Ele não queria ir à estreia do filme na livraria «Ler Devagar» pois já estava muito debilitado. Convencemo-lo e ele adorou o filme. Esse filme foi muito difícil de fazer, tínhamos começado há meia dúzia de anos e estávamos perante um dos maiores escritores portugueses contemporâneos e na lente do seu escrutínio. A «curta» mais difícil em termos técnicos para rodar e da logística toda foi o «Faminto».
Com actores profissionais, a Sofia Reis, o Phillipe Leroux, Hugo Costa Ramos, Inês Tarouca, Miguel Rufino, Henrique Pereira, Patrícia Castelo Branco, e toda uma equipa fenomenal desde da Ana Karina incansável na caracterização, a Helena Correia na produção e guarda roupa, ao João Marco na fotografia de cena e na montagem em conjunto comigo e todos aqueles que nos acompanharam neste filme que não queria me esquecer de nenhum nome mas se não fossem eles não tinhamos conseguido realizar este dificil filme, carros e todo o equipamento técnico cedido pelo António Castanheira (director da Escritaria em Penafiel). A curiosidade é que o material técnico utilizado foi o mesmo usado pelo David Lynch no filme «Inland Empire», e veio tudo para o Algarve. Nós tivemos dois ou três dias a filmar no parque de estacionamento ao pé da Praça d’ Armas em Lagos. No piso menos dois, sem saber se estava sol, era de noite ou se chovia, foi uma rodagem muito difícil. O filme obteve muitos prémios e rodou muitos festivais de cinema.
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«…nós tivemos muitos elogios em relação ao 2º Dt. Eram 16 curta metragens em competição, 14 americanas, uma britânica e uma portuguesa. Vencemos, pois eles reconheceram que tínhamos qualidade e talento na maneira como deturpámos a história, considerando uma mistura entre David Lynch e Alfred Hitchcock.»
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CL: A curta-metragem 2º Dto. foi a grande vencedora do Festival de cinema Norte Americano «TRAPPED» 2020, como te sentes com o reconhecimento internacional do teu trabalho?
HC: Senti-me muito orgulhoso por vencer o Festival «TRAPPED». O «2º Dto» foi um filme difícil de fazer pois foi rodado dentro de uma casa e é tudo muito claustrofóbico. Foi muito importante para mim e para o Pedro pois não filmávamos em conjunto há sete anos. O Pedro para além de ser fotógrafo é repórter da CM TV, portanto está 24 horas «a filmar o sangue». Conseguimos arranjar tempo e o pessoal todo e rodámos o «2ºdto» num dia. Mas a pós-produção e montagem durou um ano, não era suposto ser eu a fazer a montagem e é um massacre para mim, devido à parte técnica e pormenores envolvidos. Gosto mais da parte do argumento e planificar a rodagem e componente técnica. Explicar no local como vai ser a cena, o movimento, a perche, é muito complicado. Se vissem como é feito um filme dariam o valor.
Este festival está no seu primeiro ano e foi incrível ver a qualidade e a reorganização devido ao Covid-19 com a transmissão e visualização dos filmes online. Eu senti que eles têm um único objectivo, que é trabalhar para a indústria do cinema. Nos E.U.A todos são reconhecidos e nós tivemos muitos elogios em relação ao 2º Dt. Eram 16 curta metragens em competição, 14 americanas, uma britânica e uma portuguesa. Vencemos, pois eles reconheceram que tínhamos qualidade e talento na maneira como deturpámos a história, considerando uma mistura entre David Lynch e Alfred Hitchcock. E para rematar e não levar um tabefe, à minha esposa que me acompanha há sete anos nestes meus devaneios no cinema independente, a Paula Cabral Maria que além de linda tem muita paciência comigo pois sou uma pessoa difícil de aturar.
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«Lagos tem potencialidade, existem vários artistas locais nas mais variadas áreas…se calhar era melhor perguntar a eles …»
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CL: O que achas que poderia ser feito para melhorar a indústria do cinema em Portugal?
HC: Não vou falar dos apoios, pois são o que são. Da parte que me toca já tentei concorrer aos apoios, mas com tanta burocracia é difícil de concretizar. Na sétima arte em Portugal existe o cinema Português com explosões e comédias onde estão «os do costume». Actores das novelas e realizadores conhecidos. Depois existe o cinema Independente que subsiste sem qualquer apoio financeiro, fazem-se projectos e filmes do próprio bolso de qualidade e que são premiados. Quando chegamos ao reconhecimento internacional é um alarido desmesurado com toda a comunicação social no efeito «bola de neve». Outra situação é se temos uma academia portuguesa de cinema, esta deveria divulgar todo o cinema português e isso não acontece. Outro factor negativo no sector do cinema em Portugal é a existência de um grupo elitista onde a cooperação e união entre todos os artistas não existe.
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«Desde o «Dissimulados» houve um filme muito importante para nós, o «Manhã Triste» que ganhou alguns prémios. Foi a curta metragem que mais responsabilidade tivemos em realizar porque é uma adaptação de um conto do escritor de renome português, Urbano Tavares Rodrigues…»
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CL: Quais as potencialidades da Cidade de Lagos em termos de desenvolvimento de produções cinematográficas e artísticas, o que consideras que se poderia fazer para melhorar?
HC: Lagos tem potencialidade, existem vários artistas locais nas mais variadas áreas…se calhar era melhor perguntar a eles … não estou muito preocupado com a actividade artística em Lagos porque também Lagos nunca se mostrou uma cidade aberta para com os artistas da parte que me toca sempre foi tipo de costas voltadas…portanto quem está em Lagos tem de dizer de sua justiça…
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CL: Qual o elemento (imagem; fotografia; argumento; representação; técnica, etc.…) que mais valorizas numa produção cinematográfica?
HC: Eu acho que são todos os elementos juntos, mas a direcção de fotografia é muito importante e o Pedro faz essa parte nos filmes. Depois é a técnica de filmagem que é muito importante, se tudo correr bem na pós produção e montagem podemos ter um filme dinâmico.
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«A curiosidade é que o material técnico utilizado foi o mesmo usado pelo David Lynch no filme «Inland Empire», e veio tudo para o Algarve. Nós tivemos dois ou três dias a filmar no parque de estacionamento ao pé da Praça d’ armas em Lagos.»
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CL: Após esta vitória num festival de filmes internacional,quais são os projectos na calha?
HC: Devido ao Covid-19 fiz a curta metragem experimental «19», com a música do Pedro Glória do projecto Sonda de Lagos. Foi a primeira curta com estreia exclusiva online lançada no dia 30 de Março. No ano de 2020 vamos ver o percurso do «2º DT» concorrendo a vários festivais e esperar novos argumentos para realização de projectos.