Diz-se de Arraiolos que “há uma terra a sul pousada na planície como um tapete bordado”.
A frase que carrega, implícita, a referência à multisecular indústria tapeteira local, deixa-nos outros caminhos. Arraiolos é um concelho tocado pela serenidade dos campos alentejanos. Pousa sobre uma terra de feição perene com inúmeros traços humanos e naturais. Destes, dá o Festival Terras sem Sombra (TSS) nota na sua presença neste concelho alentejano, a 11 e 12 de Novembro. Por ocasião da sua 19.ª temporada, os caminhos do TSS encontram-se, uma vez mais, com os elementos identitários de Arraiolos. O Festival visita a vila do distrito de Évora com o vigor da música proveniente da Áustria, nas guitarras do Duo Hosp-Palier. Uma jornada que se completa, como habitualmente, com actividades dedicadas ao Património e à Biodiversidade, nomeadamente um encontro com os jogos tradicionais e um périplo nas margens da ribeira de Divor. O fim-de-semana do TSS em Arraiolos conta com a parceria do município local, da Embaixada da Áustria, da Direcção Regional de Cultura e da Misericórdia de Arraiolos.
Monumento pertencente à Santa Casa de Arraiolos, instituída desde 1524, a igreja da Misericórdia é um magnífico exemplar da arte da Contra-Reforma, respirando o ambiente dos finais do século XVI. Localizada no centro histórico da vila, o lugar apresenta um muito interessante conjunto de painéis de azulejos do século XVIII. É este o palco para o ensemble austríaco, o Duo Hosp-Palier, formado pelos guitarristas Melanie Hosp e Florian Palier, oriundos de Viena. “O Dia e a Noite: Música Para Duas Guitarras” apresenta, na noite de 11 de Novembro (21h30), um ecléctico alinhamento musical numa revisitação de peças entre os séculos XIX e XXI. Enrique Granados, Hugo González, Astor Piazzolla, Radamés Gnattali e o próprio Palier são alguns dos compositores que dão mote ao concerto.
Considerada uma promissora artista no panorama da guitarra, Melanie Hosp nasceu em Ausserfern (Tirol). Do seu percurso académico, importa salientar as aulas com Michael Andreas Haas e Stefan Hackl, no Conservatório de Innsbruck, e com Álvaro Pierri, na Universidade de Música e Artes Performativas de Viena. É professora na Escola de Música de Linz. Actuou como solista em várias formações na Áustria e no estrangeiro, designadamente na China, Taiwan, Líbano e República Checa. Com o seu primeiro álbum a solo, Como el Agua, lançado em 2015, a intérprete move-se entre os mundos da música clássica, latino-americana e jazz. Já triunfou em diversos concursos e prémios nacionais e internacionais.
Guitarrista e compositor, Florian Palier cresceu no seio de uma família de músicos. Estudou com o pai, Johann Palier e, mais tarde, com Marco Diaz Tamayo. Em 2015, formou-se, sob a orientação de Álvaro Pierri, na Universidade de Música e Artes Performativas de Viena. Ensina nesta instituição, no Conservatório Johann-Joseph-Fux (Graz) e na Universidade de Klagenfurt. Como compositor, intérprete e improvisador, enfatiza a inclusão de diferentes mundos musicais. Entre as suas maiores influências, cabe referir Messiaen, Takemitsu e Holdsworth. Enquanto solista e músico de câmara, é amiúde convidado para concertos em todo o mundo. O crítico musical austríaco Ernst Naredi-Rainer escreveu sobre Florian Palier: “actua como um narrador cativante. Para além de um temperamento vivo, também domina a arte de mergulhar na tristeza”.
Na sua acção dedicada ao Património, o TSS reserva a tarde de 11 de Novembro (15h00) para reavivar um elemento da vida social, os jogos tradicionais, na sua componente de património imaterial. A aldeia de Santana do Campo acolhe a actividade, que tem como ponto de encontro a igreja local. De salientar que este edificado se encontra construído sobre as ruínas de um templo romano, cujos vestígios ainda são visíveis nas paredes traseiras da igreja e edifícios vizinhos. “Herança Comunitária: Jogos Tradicionais e Património Imaterial” é o título da acção orientada por José Manuel Pinto, grande conhecedor desta herança, a que ajudou a imprimir nova vida. Os participantes são convidados a participar activamente num trabalho de vivências e memórias encetado pela Associação Unidos de Santana do Campo. Executados recorrendo a diversos materiais e de forma rudimentar, os jogos tradicionais (e os respectivos brinquedos) correspondem a práticas antigas de ocupação do tempo, nos largos, junto às tabernas ou mesmo no seu interior, sendo utilizados por crianças e adultos. Oportunidade para contactar de perto, entre outros, com o jogo da china, o jogo do chinquilho, o jogo da ferradura, o jogo do 31, o jogo das latas, o jogo do burro e o jogo do botão ou os famosos carrinhos de rolamentos.
Num fim-de-semana imbuído de um encontro com as memórias locais, a acção dedicada à Biodiversidade, intitulada “Entre Pedras e Pedrinhas: A Ribeira de Divor”, convida os participantes a conhecerem as margens deste trecho de água, fonte de vida e sustentáculo de milenares práticas agrícolas que marcaram a paisagem. Com ponto de encontro em Arraiolos, no Jardim Público, a acção é dirigida por Gonçalo Elias (ornitólogo) e José Mira Potes (professor do Instituto Politécnico de Santarém). A ribeira de Divor, pertencente à bacia hidrográfica do Tejo, nasce na freguesia de Igrejinha, concelho de Arraiolos, e desagua no rio Sorraia, concelho de Coruche. Possui uma barragem, que forma a albufeira de Divor, em território arraiolense. No entorno do curso de água, salienta-se a presença de sobreiros e azinheiras, também de freixos, carvalhos negrais e medronheiros. A lontra, a garça-real, a cegonha, o abutre, a raposa, o coelho-bravo, a lebre, o faisão, o veado e o javali, entre outros exemplos da fauna bravia, povoam as margens da ribeira. Sobressaem também aqui históricas azenhas e as velhas estações e pontos de apoio do ramal ferroviário a que sucedeu uma ecopista.
A programação da 19.ª temporada do Festival Terras sem Sombra conta com um novo fim-de-semana de actividades em Montemor-o-Novo (2 e 3 de Dezembro), seguido de Sines (16 de Dezembro).