A Câmara Municipal de Vila do Bispo apresentou, ontem, dia 4 de Fevereiro, à Secretaria de Estado das Pescas e à Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), a “contestação do Título de Actividade Aquícola relativa à instalação de um Estabelecimento de Culturas em Águas Marinhas em Mar Aberto ao Largo de Sagres (entre a Ponta do Barranco e a Praia da Salema).
Em causa está, como a edição ‘online’ do «Correio de Lagos» tem vindo a fazer eco, uma aquacultura projetada por um empresário de Lisboa, que irá abranger as praias da Salema e das Furnas, no concelho de Vila do Bispo. O nosso Jornal enviou várias questões por ‘email’ ao investidor, Lourenço Ribeiro, mas ainda não obteve resposta.
“Total oposição” aprovada em reunião camarária e o que irá provocar o novo projeto aquícola
A decisão do município surge na sequência do Edital nº. PT2019ITAA001765701, da DGRM relativa à instalação de um projeto a esse nível naquela zona, a denominar «Finisterra2», “para “crescimento/engorda de mexilhão - em regime extensivo, numa área total de 282 hectares, entre a Ponta do Barranco e a Praia da Salema (…)”, tendo o executivo, na sua reunião realizada na manhã de terça-feira, 4 de Fevereiro, “deliberado por unanimidade manifestar oposição” à referida aquacultura.
A proposta “tem a oposição total” do Município de Vila do Bispo, Junta de Freguesia de Budens, Associação de Armadores de Pesca de Sagres, Associação de Pesca Artesanal do Barlavento Algarvio, Organização de Produtores da Pesca do Cerco – Barlapescas e a Associação de Marisqueiros de Vila e Costa Vicentina. “A implementação deste Título de Atividade Aquícola vai prejudicar, ou até mesmo eliminar, artes ancestrais como pesca à linha, cerco, alcatruzes, armadilhas de gaiola, redes de amanhar e tresmalho”, alerta a autarquia, acrescentando que “estamos perante uma atividade poluidora, como se verifica nas várias campanhas de limpeza das praias e do mar, a cargo de voluntários, onde se recolhe enormes quantidades de lixo desta actividade (aquacultura)”.
Assim, “avançar, indiscriminadamente, com culturas em águas marinhas, num Parque Natural, levar-nos-á a um crime ambiental marinho, comparável, a nível terrestre, com a ocupação de estufas no perímetro de rega do Mira”, argumenta a Câmara Municipal de Vila do Bispo, considerando tratar-se de uma “decisão errada e meramente economicista”, a qual “prejudicará, definitivamente o habitat e toda a biodiversidade do Parque Natural”.
Câmara desconhece parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, da Agência Portuguesa do Ambiente e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
Entre outros aspectos, a autarquia salienta o facto de desconhecer o parecer, nomeadamente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, da Agência Portuguesa do Ambiente e, “principalmente, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no âmbito do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, bem como da Rede Natura 2000, onde lhe são atribuídas responsabilidade no território marinho do concelho.” E, a propósito, insiste no documento aprovado em reunião, que o ICNF “não pode ignorar a possibilidade do impacto negativo ambiental da atividade aquícola, através da sua massificação, que influenciará, negativamente, toda a biodiversidade, isto é, a fauna e flora marinha autóctones.”
Por outro lado, o executivo camarário de Vila do Bispo salienta a posição do Centro de Ciências do Mar, da Universidade do Algarve, cujo relatório publicado, na segunda-feira, 3 de Fevereiro, na edição ‘online’ do «Correio de Lagos», servirá para o município reforçar a contestação ao projecto junto da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marinhos, e da Secretária de Estado das Pescas. Recorde-se que esse documento refere que o Projecto Finisterra2 “apresenta potencial conflito marítimo com Pequena Pesca Costeira e Cerco” e colocará “em causa biodiversidade”, numa altura em que os governos tanto insistem na sua defesa. “Isto está fundamentado”, assegura Adelino Soares.
O recado do autarca de Vila do Bispo ao secretário de Estado das Pescas, José Apolinário
No final da sessão camarária na terça-feira, o presidente Adelino Soares preferiu, para já, aguardar para ver qual o resultado da contestação que o município enviou nesta quarta-feira à Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, e à Secretaria de Estado das Pescas, e ao ser questionado pelo «Correio de Lagos» sobre até onde poderá ir o autarquia de Vila do Bispo, respondeu: “Isso é um bocadinho prematuro agora. Temos até dia 4 de Fevereiro para contestar. É isso que estamos a fazer, Câmara Municipal, Junta de Freguesia, associações. E, entretanto, esperemos que a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marinhos e a Secretaria de Estado das Pescas nos ouçam. Caso o projecto desta aquacultura se torne definitivo, então vamos ter de adoptar novas medidas.”
Quanto à possibilidade de uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, promete, apenas, “fazer tudo o que estiver ao nosso alcance, ver-se-á na altura.” “Mas também é prematuro estar já a antecipar outras medidas de contestação quando temos na expectativa que quer a Secretaria de Estado das Pescas, quer a DGRM, atendam às nossas contestações e que, acima de tudo, salvaguardem a pesca artesanal”, nota Adelino Soares.
E adiantou: “Temos falado também com deputados, mas acima de tudo nesta fase é falar com as associações que são do sector e estão dentro do assunto. A nível do Governo, vamos, agora, fazer chegar esta posição da Câmara Municipal de Vila do Bispo ao senhor secretário de Estado das Pescas, muito embora já seja do seu conhecimento o nosso desagrado e a nossa contestação.” E como tem reagido José Apolinário? - insistimos. “Diz que nós devemos passar a escrito aquilo que são as nossas preocupações, foi isso que nós fizemos e esperemos que ele faça a parte dele. E acreditamos que o senhor secretário de Estado das Pescas, como algarvio e conhecedor da nossa realidade local, faça aquilo que também é uma das suas obrigações, que é a defesa da pesca tradicional”, sublinhou, como recado ao Governo.
“Mais de 250 pessoas vão ficar sem emprego nos concelhos de Vila do Bispo, Lagos e Portimão”
Por seu turno, Fábio Mateus, presidente da Junta de Freguesia de Budens, zona abrangida pela nova aquacultura, garantiu ao «Correio de Lagos», após a reunião na Câmara Municipal de Vila do Bispo: “Vamos até onde pudermos ir, mas esperamos que o projecto não seja aprovado, porque isto é a morte de todos os pescadores. É a morte da pesca, estamos a falar em mais de 250 pessoas directamente que ficarão sem emprego ao nível do concelho de Vila Bispo e dos concelhos vizinhos de Lagos e Portimão, na pesca de polvo, sardinha, carapau, cavala, raia, safio, salmonetes, azevias, linguados, tudo isso que se pesca nesta zona” onde está, agora, prevista a aquacultura destinada à produção de mexilhão. “Estamos a falar de uma área equivalente a 282 campos de futebol implementados no mar”, observou, em jeito de comparação.
“O investidor nunca falou connosco”
Fábio Mateus admitiu poder vir a interpor uma providência cautelar para contrariar o gigantesco projecto: “Sim, admito. Vamos contestar até ao máximo para que isso não vá por diante, não seja feito.” E reforçando a sua indignação, frisou: “O investidor nunca falou connosco e nós, também, não quisemos contactá-lo porque há ideias diferentes. Não vamos colidir um com o outro porque não temos de o fazer; temos, isso sim, é de responder à Direcção-Geral de Segurança e Serviços Marinhos”, na sequência do edital enviado por esta entidade à Junta de Freguesia de Budens, em Janeiro de 2020, “e à Secretaria de Estado das Pescas para que esse documento não seja aprovado” pela tutela.
No concelho de Vila do Bispo já existem três aquaculturas
No concelho de Vila do Bispo já existem três aquaculturas - uma junto ao Forte do Beliche, em Sagres, com ostras e mexilhão, que também foi contestada pelo município, segundo Adelino Soares. Outra, como nos referiu Fábio Mateus, situa-se “praticamente desde a ilha do Martinhal até à praia das Furnas, também com mexilhão.” Outra, acrescenta, “com cerca de oito anos, abrange a zona da praia do Zavial. A que está agora projectada irá da praia das Furnas até à Salema. Mas esta terá uma dimensão maior a nível da preocupação dos ‘habitats’, da biologia marinha. E a prova disso é o próprio parecer do Centro de Ciências do Mar, da Universidade do Algarve.”
“E pelo que sabemos, as empresas não são sediadas no concelho de Vila do Bispo”, observou ao «Correio de Lagos» o autarca da freguesia de Budens, referindo que “duas das aquaculturas são da empresa que agora requereu entre a Salema e a praia das Furnas. E uma delas está abandonada após ter sido implementada há pouco tempo. Se ele abandona aquela, irá abandonar também esta.”
“Não somos contra a aquacultura, o que não aceitamos é que 282 hectares desta aquacultura sejam instalados num sítio de excelência para a atividade da pesca tradicional”
Adelino Soares fez, entretanto, questão de frisar ao «Correio de Lagos»: “nós não somos contra a aquacultura, é importante que ela exista e cada vez mais o mundo caminha nesse sentido. O que não aceitamos é que 282 hectares desta aquacultura sejam instalados neste sítio, quando este é o sítio de excelência para a atividade da pesca tradicional.”
“Porque é que não vão fazer a aquacultura aí para uma milha fora da costa? É esta a descentralização que apregoam? Tudo isto é o resultado de estarmos numa região e num país à deriva...”
Quem também não esconde a sua revolta sobre este projecto aquícola é o empresário Assildo Duarte, residente na Salema, que, em declarações ao «Correio de Lagos», reforça alertas para os riscos: “os recursos existentes nesta zona, como sardinha, carapau, linguado e polvo, o melhor do mundo, serão fortemente afectados e isto até com subsídios do Estado, numa zona turística e situada em pleno Parque Natural da Costa Vicentina. Agora já ninguém se preocupa com isso?! É esta a descentralização que apregoam? Porque é que não vão fazer a aquacultura aí para uma milha fora da costa? Tudo isto é o resultado de estarmos numa região e num país à deriva… E a concluir: “Esta é uma zona de forte atracção de turística e muitos visitantes vêm aqui para ver a atividade piscatória tradicional. Ora, se esta aquacultura vier a ser uma realidade, o que terá a Salema, no futuro, para mostrar aos seus turistas? Estes deixarão de vir, porque deixará, pura e simplesmente, de existir pesca.”
Carlos Conceição e José Manuel Oliveira