«Se existir uma bolsa de habitação pública significativa, no mínimo dez por cento, vamos imaginar, o próprio mercado tenderá a baixar os preços», alertou, em entrevista ao nosso jornal, David Roque, no final do comício do Bloco de Esquerda (BE), em Lagos, que teve lugar no sábado, dia 4 de Setembro de 2021, no Jardim da Constituição.
O candidato, que exerce as funções de coordenador do Núcleo de Lagos do seu partido, reconheceu dificuldades sobretudo ao nível de «militantes activos», explicou o motivo pelo qual os bloquistas não concorrem à Câmara e já tem «várias moções e ideias para moções» que irá apresentar na Assembleia Municipal, se for eleito.
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David Roque é professor de História na Escola Júlio Dantas, em Lagos, onde se prepara para o seu terceiro ano lectivo. Natural de Portimão, tem 44 anos e já residiu em Ferragudo, no concelho de Lagoa.
A sua experiência política remonta a 2009, quando se tornou militante do Bloco de Esquerda e foi eleito membro da Assembleia de Freguesia de Ferragudo. Posteriormente, exerceu as funções de deputado na Assembleia Municipal de Lagoa. Mora, há cerca de dez anos, em Lagos. «E digo efectivamente, porque entretanto já dei aulas noutros locais e a vida de professor é um pouco ambulatória», notou David Roque, agora docente nesta cidade, onde se candidata à Assembleia Municipal.
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Correio de Lagos – É candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lagos. Porque é que não concorre à Câmara e nem o seu partido se candidata a este órgão autárquico no concelho?
David Roque – É uma questão complicada (risos)... De facto, o Bloco de Esquerda em Lagos é um núcleo muito pequeno, tem vinte e poucos militantes. Mas a questão não é propriamente o número de militantes; é mais os militantes activos. É sempre a questão de todos os partidos e não só do Bloco de Esquerda. E o que acontece aqui no núcleo de Lagos é que, para já, houve uma recomposição: eu sou coordenador do núcleo de Lagos desde Dezembro de 2020. Ainda não estou há um ano neste cargo. Era a Ana Natacha a coordenadora. A Manuela Góis foi a coordenadora anterior.
Portanto, como disse, o núcleo está numa recomposição e temos poucas pessoas. O problema que se nos coloca é: como não podemos ir a tudo, vamos ao quê? É claro que era essencial apresentarmos uma candidatura à Câmara Municipal de Lagos. Mas na impossibilidade, neste momento concreto, de termos alguém para encabeçar essa lista (seria possível fazê-lo), o problema já não era a lista; o problema era a pessoa para a encabeçar.
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«Não foi possível» encontrar a pessoa para encabeçar a lista à Câmara de Lagos e no caso da Assembleia Municipal «optámos por nos candidatar ao órgão autárquico no qual tínhamos a maior segurança eleitoral»
CL – O Bloco de Esquerda não conseguiu encontrar a pessoa?
DR – Não. Neste contexto preciso, não foi possível.
CL – E porque é que em vez de concorrer à Assembleia Municipal, não se candidata à Câmara de Lagos?
DR – Neste caso, optámos por nos candidatar ao órgão autárquico no qual tínhamos a maior segurança eleitoral. Era o que fazia sentido. Sabemos que, em teoria, hipoteticamente para a Câmara é uma situação eleitoralmente mais complicada. Aliás, o Bloco de Esquerda nunca teve representação na Câmara Municipal de Lagos. Não quer dizer que não fosse possível acontecer. Era. Mas claro que aqui é uma aposta. E portanto, com os poucos recursos humanos que temos, fizemos a aposta naquilo que era mais seguro.
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Apresentar o mesmo candidato a vários órgãos autárquicos, «como o PAN e o Chega» (...) «não nos faz qualquer sentido» e «nem seria honesto da nossa parte»
CL – Mas o Bloco de Esquerda poderia fazer aquilo que o partido PAN – Pessoas-Animais-Natureza faz: a mesma pessoa é também candidata a outros órgãos autárquicos…
DR – Não era uma solução para nós. Não só o PAN, mas penso que também o CHEGA tem essa situação. Para nós, não nos faz qualquer sentido, até porque hipoteticamente se a pessoa fosse eleita para os dois cargos, nunca seria possível desempenhá-los. Claro que é uma situação hipotética. E nem seria honesto da nossa parte fazer isso.
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«A solução que está a ser usada muito no país, e também em Lagos, que é de criar habitação a custos controlados, ainda que inicialmente possa parecer uma boa ideia, e é, a prazo coloca essas casas novamente no mercado especulativo»
CL – Qual será a primeira medida que tomará se for eleito deputado na próxima Assembleia Municipal de Lagos?
DR – Temos várias moções e ideias para moções para apresentar. É esse sobretudo o papel na Assembleia Municipal. E uma delas, talvez das mais importantes e mais urgentes neste momento, será à volta da habitação, da criação de um parque público habitacional.
CL – Quantas habitações acha que são necessárias no concelho para arrendar a preços acessíveis?
DR – Sem falar em números concretos, posso dizer que temos de alcançar um objectivo mínimo de dez por cento de fogos de domínio público.
CL – O que é que isso representa no total? Quinhentas, mil habitações?
DR – Mais, bastantes mais. Perto, eventualmente, das duas mil. E porquê? Há funções que são essenciais: a primeira é garantir alojamento a preços acessíveis às pessoas; a segunda é regular o mercado. Porque se o mercado não tiver um contraponto em preços mais baixos, tenderá sempre para os preços mais elevados. Se existir uma bolsa de habitação pública significativa, no mínimo dez por cento, vamos imaginar, o próprio mercado tenderá a baixar os preços.
A solução que está a ser usada muito no país, e também em Lagos, que é de criar habitação a custos controlados, ainda que inicialmente possa parecer uma boa ideia, e é, a prazo coloca essas casas novamente no mercado especulativo.
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Num mandato, ou em dois, na questão habitacional, «têm existir objectivos (…) E não podemos dizer que são cem fogos, nem duzentos. Tem de haver um número grande»
CL – E o que fará nesse sentido na Assembleia Municipal de Lagos se for eleito?
DR – Um dos primeiros objectivos é apresentar uma moção que tenha a questão habitacional como essencial para Lagos e nesse sentido obrigar o executivo a definir objectivos. Assim é que estamos a falar numa coisa concreta. Têm de existir objectivos.
CL – Que objectivos defende?
DR – Esse objectivo é tentar atingir os dez por cento [das necessidades de habitação atuais no concelho de Lagos - n.d.r.] num mandato ou em dois. Tem de haver um prazo, repito, tem de haver objectivos claros para os atingir. E não podemos dizer que são cem fogos, nem duzentos. Tem de haver um número grande. Serão dez por cento, que é o mínimo e é bastante.
Há países onde o mercado imobiliário público chega aos trinta por cento do parque habitacional. E estamos a falar de países ricos e liberais. Não são países comunistas. Estou a falar da Holanda, da Alemanha.
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«Na Avenida dos Descobrimentos, em Lagos (...) continua a não existir uma ciclovia. As bicicletas circulam nos passeios, o que é ilegal, segundo a legislação. Circular na estrada é possível, mas é perigoso»
CL – Que outras reivindicações vai apresentar na Assembleia Municipal de Lagos?
DR – Há muitas questões em Lagos, para além da habitação. Temos a questão da mobilidade que é fundamental. É necessária uma rede de ciclovias. Porque não pode ser pensada uma pista aqui e outra acolá. Veja-se, agora, na estrada da Meia-Praia, onde não há ciclovia prevista, o que não tem qualquer lógica porque está a ser construída uma estrada de raiz e tem espaço para ciclovia. Na Avenida dos Descobrimentos, em Lagos, onde estamos a falar, continua a não existir uma ciclovia.
As bicicletas circulam nos passeios, o que é ilegal, segundo a legislação. Circular na estrada é possível, mas é perigoso. As bicicletas devem circular em vias autónomas porque tem de haver separação entre os veículos motores e os veículos não motores, os quais circulam a velocidades muito distintas e é sempre um risco de circulação. Mas também pôr as bicicletas a circular, como acontece em Lagos, nos passeios também é perigoso para os peões, porque há acidentes entre peões e ciclistas. E é normal que haja porque não há separação.
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«Fundamental é o transporte colectivo gratuito, ou seja, "A ONDA". Para residentes deve ser inteiramente gratuito, independentemente da idade e do estatuto da pessoa. Vamos lutar por isso na Assembleia Municipal de Lagos»
CL – Para além das ciclovias, o que defende mais?
DR – Outra questão que nos parece fundamental é o transporte colectivo gratuito, ou seja, "A ONDA". Para residentes deve ser inteiramente gratuito, independentemente da idade e do estatuto da pessoa. Vamos lutar por isso na Assembleia Municipal de Lagos. E penso que, independentemente de a nossa proposta ser aprovada, ou não, nos próximos tempos, será mais tarde, ou mais cedo, uma proposta que se vai concretizar. É uma questão de tempo. Se não for agora, será dentro de cinco anos, dez anos. Mas é inevitável. E e é inevitável porque o ambiente está a mudar, há um problema climático grave, que toda a gente sabe, é preciso reduzir substancialmente o tráfego rodoviário e isso só é possível fazendo as pessoas usar o transporte colectivo.
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Acções de rua vão alertar para o património: «Estamos aqui numa fachada bonita das muralhas de Lagos, mas esquecemos que as muralhas de Lagos têm um perímetro muito grande que está abandonado»
CL – Como será a campanha eleitoral do Bloco de Esquerda no concelho de Lagos?
DR – Vamos andar aí a distribuir a nossa propaganda. Eventualmente, vamos fazer uma actividade, ou duas, para chamar a atenção das pessoas para alguns problemas, por exemplo para a questão do património. Estamos aqui numa fachada bonita das muralhas de Lagos [onde decorreu esta entrevista], mas esquecemos que as muralhas de Lagos têm um perímetro muito grande que está abandonado. Estamos a ver a face bonita de Lagos, que é esta avenida. Não inocentemente, a fotografia que aparece nos nossos folhetos é precisamente a cidade de Lagos vista de lá para cá. Ou seja, ao contrário do que é normal.
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Campanha em Lagos poderá custar, no máximo, 400 euros à concelhia
CL – E quanto vai custar a campanha?
DR – O mínimo possível! (risos)
CL – Dois, três mil euros?
DR – Não! Muito menos, muito menos.
CL – Quinhentos euros?
DR – Eventualmente até menos. Há gastos que são imputados directamente ao partido, não passam pela concelhia, como por exemplo os folhetos, os outdoors e outro material. Em relação a outras despesas que sejam nossas se chegarmos a 400 euros de gastos, se calhar já será muito.
CL – A líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, deslocar-se-á Lagos para alguma acção?
DR – Para já, nada está combinado.
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Carlos Conceição
José Manuel Oliveira